terça-feira, 18 de agosto de 2015

AMY ELLIOTT DUNNE CINCO DIAS SUMIDA


Você pode me chamar de Amy de Ozarks. Estou escondida em um conjunto de chalés
baratos, sentada em silêncio, observando todas as alavancas e trancas que eu preparei fazendo o trabalho delas.
Eu me livrei de Nick, e no entanto penso nele mais do que nunca. Ontem à noite, às dez e quatro, meu celular descartável tocou. (Isso mesmo, Nick, você não é o único que conhece o
velho truque do “celular secreto”.) Era a companhia do alarme. Não atendi, claro, mas agora sei
que Nick chegou até a casa do pai. Pista três. Troquei a senha duas semanas antes de desaparecer
e coloquei meu celular secreto como o primeiro número a chamar. Posso imaginar Nick, com
minha pista na mão, entrando na casa empoeirada e embolorada do pai, se atrapalhando com a
senha do alarme... e então o tempo acaba. Bip, bip, biiiiip! O celular dele está na lista como
segunda opção para o caso de eu não poder ser encontrada (e eu obviamente não posso).
Então ele disparou o alarme, falou com alguém na empresa de segurança, e agora há registros
de que ele esteve na casa do pai após meu desaparecimento. O que é bom para o plano. Não é à
prova de falhas, mas não precisa ser à prova de falhas. Eu já deixei o suficiente para que a
polícia monte um caso contra Nick: a cena forjada, o sangue lavado, as faturas de cartão de
crédito. Tudo isso será encontrado mesmo pelo mais incompetente dos departamentos de polícia.
Noelle logo irá espalhar a notícia da minha gravidez (se é que já não o fez). É suficiente,
especialmente depois que a polícia descobrir Andie, a Capaz (capaz de chupar um pau quando
ordenada). Então todos esses elementos extras são apenas um vá se foder de brinde. Armadilhas
divertidas. Adoro ser uma mulher com armadilhas.
Ellen Abbott também é parte do meu plano. O maior programa policial da TV a cabo em todo
o país. Eu venero Ellen Abbott, adoro como ela fica protetora e maternal com todas as mulheres
desaparecidas em seu programa, e como parece um cão raivoso quando escolhe um suspeito,
geralmente o marido. Ela é a voz da moralidade feminina nos Estados Unidos. E é por isso que
eu gostaria muito que ela se interessasse pela minha história. O público precisa se voltar contra
Nick. Isso faz parte de sua punição tanto quanto a prisão, o queridinho Nicky — que passa tanto
tempo se preocupando com que as pessoas gostem dele — saber que é universalmente odiado. E
eu preciso de Ellen para me manter atualizada sobre a investigação. A polícia já encontrou o
diário? Sabe sobre Andie? Descobriram o seguro de vida aumentado? Essa é a parte mais difícil:
esperar que pessoas burras descubram as coisas.
Ligo a TV em meu quartinho a cada hora, ansiosa para descobrir se Ellen pegou minha
história. Ela tem de pegar, não vejo como poderia resistir. Sou bonita, Nick é bonito, e eu tenho o
gancho da Amy Exemplar. Ela aparece pouco antes do meio-dia, prometendo uma matéria
especial. Eu fico ligada, olhando fixamente para a TV. Rápido, Ellen. Ou: Rápido, Ellen. Temos
isso em comum: somos ao mesmo tempo pessoas e entidades. Amy e Amy, Ellen e Ellen.
Comercial de absorvente interno, comercial de sabão em pó, comercial de absorvente
externo, comercial de limpa-vidros. Dá a impressão de que as únicas coisas que as mulheres
fazem são limpar e sangrar.
E então, finalmente! Aí estou eu! Minha estreia!
No segundo em que Ellen aparece, brilhando como Elvis, eu sei que vai ser bom. Algumas
lindas fotos minhas, um instantâneo de Nick com seu sorriso insano de me amem! na primeira
coletiva. Notícia: houve uma busca inútil em vários lugares pela “linda jovem com tudo a seu
favor”. Notícia: Nick já se fodeu. Tirando fotos indiscretas com uma mulher da cidade durante
uma busca por mim. Claramente foi isso que atraiu Ellen, porque ela está puta. Lá está ele, Nick
em seu modo fofinho, o modo todas as mulheres me amam, seu rosto colado ao da desconhecida,
como se fossem colegas de happy hour.
Que idiota. Adorei.
Ellen Abbott está explorando ao máximo o fato de que nosso quintal leva diretamente ao rio
Mississippi. Pergunto-me então se já vazou — o histórico de busca no computador de Nick, que
eu garanti que incluísse um estudo sobre as oclusas e represas do Mississippi, bem como uma
busca no Google pelas palavras corpo flutuar rio Mississippi. Sem querer ser grosseira. Poderia
acontecer — possivelmente, improvavelmente, mas há um precedente — de o rio carregar meu
corpo até o oceano. Cheguei a ficar triste por mim mesma, imaginando meu corpo magro, nu e
pálido boiando sob a corrente, uma colônia de lesmas grudada a uma perna nua, meus cabelos se
espalhando como algas até eu chegar ao oceano e mergulhar mais e mais até o fundo, minha pele
encharcada descascando em camadas macias, eu desaparecendo lentamente na corrente como
uma aquarela, até restarem apenas os ossos.
Mas sou uma romântica. Na vida real, se Nick tivesse me matado, acho que apenas teria
rolado meu corpo para dentro de um saco de lixo e me levado até um dos aterros sanitários em
um raio de cem quilômetros. Apenas me jogado fora. Ele teria levado alguns objetos com ele —
a torradeira quebrada que não valia a pena consertar, uma pilha de fitas VHS da qual estivera
querendo se livrar — para tornar a viagem eficiente.
Eu mesma estou aprendendo a viver com muita eficiência. Uma garota tem que organizar seu
orçamento quando está morta. Tive tempo de planejar, de acumular um dinheiro: eu me dei bons
doze meses entre decidir desaparecer e desaparecer propriamente. Por isso a maioria das
pessoas é pega quando cometem assassinatos: elas não têm a disciplina de esperar. Estou com
dez mil e duzentos dólares em dinheiro. Se tivesse sacado dez mil e duzentos dólares em um mês,
isso seria percebido. Mas saquei dinheiro com cartões de crédito que fiz no nome de Nick — os
cartões que o farão parecer um traidorzinho ganancioso — e drenei outros quatro mil e
quatrocentos de nossas contas bancárias ao longo dos meses: retiradas de duzentos ou trezentos
dólares, nada que chamasse atenção. Roubei dos bolsos de Nick, vinte dólares aqui, dez ali, uma
acumulação lenta e deliberada — como naquele projeto de orçamento em que você coloca o
dinheiro que gastaria toda manhã na Starbucks em um pote e no final do ano tem mil e quinhentos
dólares. E eu sempre roubava do pote de gorjetas quando ia para O Bar. Tenho certeza de que
Nick culpava Go, e Go culpava Nick, e nenhum dos dois dizia nada porque tinham muita pena um
do outro.
Mas a questão é que sou cuidadosa com dinheiro. Tenho o suficiente para viver até me matar.
Vou ficar escondida tempo suficiente para ver Lance Nicholas Dunne virar um pária
internacional, para assistir a Nick ser preso, julgado, levado para a prisão, perplexo em um
macacão laranja e de algemas. Para ver Nick se contorcer, suar e jurar que é inocente, e ainda
assim dançar. E então viajarei para o Sul seguindo o rio, onde me encontrarei com meu corpo,
meu falso corpo flutuante da Outra Amy no golfo do México. Farei inscrição em uma viagem de
barco, algo que me leve até o meio do oceano mas não exija identificação. Tomarei uma
coqueteleira gigante de gim gelado, engolirei remédios para dormir e, quando ninguém estiver
olhando, me jogarei silenciosamente pela lateral, meus bolsos cheios de pedras estilo Virginia
Woolf. Se afogar é algo que exige disciplina, mas tenho disciplina aos montes. Talvez meu corpo
nunca seja encontrado, ou talvez volte à superfície semanas, meses depois — corroído a ponto de
que a data da minha morte não possa ser confirmada —, e fornecerei a última prova para garantir
que Nick seja levado para a cruz, a mesa da prisão onde será enchido de veneno e morrerá.
Gostaria de ficar por aqui para vê-lo morto, mas, considerando o estado do nosso sistema
judicial, isso pode levar anos, e não tenho nem o dinheiro nem a disposição. Estou pronta para
me juntar às Esperanças.
Eu já fugi um pouco do meu orçamento. Gastei uns quinhentos dólares em coisas para
melhorar meu chalé — bons lençóis, uma luminária decente, toalhas que não ficam de pé sozinhas
após anos de alvejante. Mas tento aceitar o que me é oferecido. Há um homem a alguns chalés,
um sujeito taciturno, um Grizzly Adams hippie do tipo granola feita em casa — barba cheia, anéis
de turquesa e um violão que ele toca no cais dos fundos algumas noites. Diz que seu nome é Jeff,
assim como eu digo que meu nome é Lydia. Apenas trocamos sorrisos breves, mas ele traz peixe
para mim. Já me trouxe peixe duas vezes, fedendo mas sem escamas e sem cabeça, em uma
enorme bolsa térmica gelada. “Peixe fresco!”, diz, batendo na porta, e se não abro imediatamente
ele desaparece, deixando a bolsa no degrau da frente. Preparo o peixe em uma frigideira decente
que comprei em outro Walmart e não fica ruim, e é de graça.
“Onde você consegue todos esses peixes?”, pergunto.
“No lugar de conseguir”, ele responde.
Dorothy, que trabalha na recepção e já parece ter gostado de mim, traz tomates de seu jardim.
Como os tomates que cheiram a terra e o peixe que cheira a lago. Acho que já no ano que vem,
Nick estará trancado em um lugar que cheira apenas a lugar fechado. Cheiros fabricados:
desodorante, sapatos velhos, comidas com amido, colchões mofados. Seu maior medo, seu
apavorado sonho pessoal: ele se vê na cadeia, sabendo que não fez nada de errado mas incapaz
de prová-lo. Os pesadelos de Nick sempre são sobre ter sido enganado, ter caído em uma
armadilha, ser vítima de forças além do seu controle.
Ele sempre se levanta após esses sonhos, anda de um lado para outro da casa, depois se veste
e sai, vaga pelas ruas perto de nossa casa, entra em um parque — um parque no Missouri, um
parque em Nova York —, indo para onde quiser. Ele é um homem de exteriores, embora não seja
exatamente alguém da natureza. Não é de fazer trilhas, acampar, não sabe fazer fogueiras. Não
saberia como apanhar peixes e dá-los a mim de presente. Mas gosta da opção, gosta da escolha.
Ele quer saber que pode sair, mesmo que em vez disso escolha se sentar no sofá e assistir à luta
livre durante três horas seguidas.
Fico pensando na putinha. Andie. Achei que ela iria durar exatamente três dias. Depois não
conseguiria resistir a partilhar. Sei que ela gosta de partilhar porque sou uma de suas amigas no
Facebook — o nome do meu perfil é inventado (Madeleine Elster, rá!), minha foto roubada de um
anúncio de hipotecas (loura, sorridente, tirando proveito de taxas de juros historicamente baixas).
Há quatro meses, Madeleine aleatoriamente pediu para ser amiga de Andie, e Andie, como um
cachorrinho infeliz, aceitou; então conheço bastante bem a garotinha, assim como todos os seus
amigos fascinados por minúcias, que tiram muitos cochilos, adoram iogurte grego e pinot grigio,
e gostam de partilhar isso uns com os outros. Andie é uma boa garota, no sentido de que não
posta fotos suas “na farra” e nunca posta mensagens lascivas. O que é uma pena. Quando ela for
revelada como namorada de Nick, eu preferiria que a imprensa encontrasse fotos dela virando
bebidas, beijando garotas ou mostrando a calcinha; isso a consolidaria ainda mais como a
destruidora de lares que é.
Destruidora de lares. Meu lar estava bagunçado, mas não destruído ainda, quando ela
começou a beijar meu marido, a enfiar a mão nas calças dele, a ir para a cama com ele. A
colocar o pau dele na boca até a base para que ele se sinta extragrande enquanto ela engasga.
Tomando no cu, fundo. Recebendo doses de porra no rosto e nos peitos, depois lambendo, nham.
Tomando, decididamente tomando. Ela é do tipo que toma. Eles estão juntos há mais de um ano.
Todo feriado. Examinei as faturas dos cartões de crédito dele (os verdadeiros) para ver o que ele
comprou para ela de presente de Natal, mas ele tem sido chocantemente cauteloso. Pergunto-me
qual é a sensação de ser uma mulher cujo presente de Natal precisa ser comprado com dinheiro
vivo. Libertador. Ser uma garota não registrada significa ser a garota que não precisa chamar o
bombeiro ou ouvir resmungos sobre trabalho ou lembrar a ele o tempo todo de comprar a maldita
comida de gato.
Preciso que ela desabe. Preciso que 1) Noelle conte a alguém sobre minha gravidez; 2) a
polícia encontre o diário; 3) Andie conte a alguém sobre o caso. Suponho que eu a estereotipei
— que uma garota que posta atualizações sobre sua vida cinco vezes por dia para qualquer um
ver não compreenderia de verdade o que é um segredo. Ela fez leves menções ocasionais ao meu
marido na internet:
Vi o Sr. Tesudo hoje.
(Ah, conta!)
(Quando vamos conhecer o garanhão?)
(Bridget curtiu isso!)
Um beijo de um cara bonitão torna tudo melhor.
(Superverdade!)
(Quando vamos conhecer o Bonitão?!)
(Bridget curtiu isto!)
Mas ela tem sido surpreendentemente discreta para uma garota da sua geração. Ela é uma boa
menina (para uma piranha). Posso imaginá-la, aquele rosto em forma de coração inclinado, a
testa suavemente franzida. Só quero que você saiba que estou do seu lado, Nick. Estou aqui
para você. Provavelmente assou biscoitos para ele.
As câmeras de Ellen Abbott agora dão uma panorâmica no Centro de Voluntários, que parece
um pouco desmazelado. Uma correspondente está falando sobre como meu desaparecimento
“abalou esta cidadezinha” e, atrás dela, posso ver uma mesa tomada por ensopados e bolos feitos
em casa para o pobre Nicky. Mesmo agora, o babaca tem mulheres cuidando dele. Mulheres
desesperadas identificando uma brecha. Um homem vulnerável e bonito — e tudo bem, ele pode
ter assassinado a esposa, mas não sabemos. Não com certeza. Por ora é apenas um alívio ter um
homem para o qual cozinhar, o equivalente das quarentonas a passar de bicicleta pela casa do
garoto bonito.
Estão mostrando novamente a foto de celular de Nick sorrindo. Posso imaginar a piranha da
cidade em sua cozinha solitária reluzente — uma senhora cozinha comprada com dinheiro de
pensão — mexendo panelas e assando enquanto tem uma conversa imaginária com Nick: Não, na
verdade tenho quarenta e três. Não, verdade, tenho mesmo! Não, não tenho enxames de
homens atrás de mim, não mesmo, os homens desta cidade não são tão interessantes assim, a
maioria deles...
Tenho um ataque de ciúme daquela mulher com o rosto colado no do meu marido. Ela é mais
bonita do que eu estou agora. Eu como barras de chocolate e boio horas na piscina sob o sol
quente, o cloro deixando minha pele borrachuda como a de uma foca. Estou bronzeada, coisa que
nunca fui antes — pelo menos não um bronzeado escuro, orgulhoso, profundo. Uma pele
bronzeada é uma pele danificada, e ninguém gosta de uma garota enrugada; passei minha vida
lambuzada de protetor solar. Mas me permiti escurecer um pouco antes de desaparecer, e agora,
depois de cinco dias, estou a caminho do dourado. “Morena!” diz a velha Dorothy, a gerente.
“Você está morena, garota!”, diz com prazer quando apareço para pagar o aluguel da semana
seguinte em dinheiro.
Tenho pele escura, cabelos tingidos cortados em cuia, óculos de garota inteligente. Ganhei
cinco quilos e meio nos meses antes do meu desaparecimento — cuidadosamente escondidos em
vestidos largos de verão, não que meu marido desatento fosse perceber — e quase mais um quilo
desde então. Tive o cuidado de não aparecer em fotografias nos meses antes de sumir, para que o
público só conheça a Amy pálida e magra. Decididamente não sou mais assim. Algumas vezes
posso sentir meu traseiro se mover sozinho quando caminho. Requebrando, como dizem. Nunca
fui assim. Meu corpo era uma bela e perfeita economia, cada traço calibrado, tudo em equilíbrio.
Não sinto falta disso, não sinto falta de homens olhando para mim. É um alívio entrar em uma
loja de conveniência e sair sem ter algum vagabundo de camisa de flanela sem mangas babando
enquanto eu ando, um comentário misógino murmurado escapando dele como um arroto de
nachos com queijo. Agora ninguém é grosseiro comigo, mas também ninguém é gentil. Ninguém
faz nenhum esforço fora do comum por mim, não explicitamente, não de verdade, não como
costumavam fazer.
Eu sou o oposto de Amy
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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