contratado, e dizer as palavras que fariam com que ele se arrependesse de ter aceitado meu
dinheiro: acho que minha esposa está me dando um golpe. Não podia ver o rosto dele, mas
podia imaginar — o revirar de olhos, a careta, o cansaço de um homem que ganha a vida ouvindo
nada além de mentiras.
— Bem — disse ele finalmente após uma pausa de espanto —, estarei aí amanhã cedo, e
resolveremos isso; tudo na mesa; enquanto isso, não faça nada, certo? Vá dormir e não faça nada.
Go seguiu o conselho dele; tomou dois soníferos e me deixou pouco antes das onze horas,
enquanto eu não fazia nada, uma bola de raiva em seu sofá. De tempos em tempos eu saía e
olhava fixamente para o depósito, as mãos nos quadris, como se ele fosse um predador que eu
pudesse assustar. Não sei muito bem o que eu achava que estava conseguindo com isso, mas não
podia evitar. Só era capaz de ficar sentado por no máximo cinco minutos antes de ter que sair
outra vez e olhar para fora.
Eu acabara de entrar de novo quando uma batida sacudiu a porta dos fundos. Puta merda.
Ainda não era meia-noite. Policiais chegariam pela frente — certo? — e repórteres ainda não
haviam cercado a casa de Go (isso mudaria em questão de dias, horas). Eu estava em pé,
irritado, indeciso, na sala, quando as batidas soaram novamente, mais altas, e eu xinguei em voz
baixa, tentei ficar com raiva em vez de com medo. Lide com isso, Dunne.
Escancarei a porta. Era Andie. A maldita Andie. Bonita como uma pintura, arrumada para a
ocasião, ainda não sacando que iria colocar meu pescoço no laço.
— Bem no laço, Andie — disse, puxando-a para dentro, e ela olhou para minha mão no seu
braço. — Você vai colocar meu pescoço no maldito laço.
— Eu vim pela porta dos fundos — falou.
Quando a olhei, ela não se desculpou, ficou rígida. Eu pude ver seus traços endurecendo.
— Eu precisava ver você, Nick. Eu disse. Disse que tinha de ver ou falar com você todo dia,
e hoje você desapareceu. Caindo direto na caixa postal, direto na caixa postal, direto na caixa
postal.
— Se você não soube de mim é porque eu não podia falar, Andie. Caramba, eu estava em
Nova York, arrumando um advogado. Ele estará aqui amanhã cedo.
— Você arrumou um advogado. Foi isso que o manteve tão ocupado que não pôde ligar para
mim por dez segundos?
Eu quis socá-la. Respirei fundo. Eu devia terminar com Andie. Não era apenas o alerta de
Tanner que tinha em mente. Minha esposa me conhecia: sabia que eu faria quase qualquer coisa
para evitar um confronto. Amy dependia de que eu fosse burro, sustentasse a relação, e fosse
finalmente pego. Eu tinha de dar um fim naquilo. Mas precisava fazer isso do modo perfeito.
Faça com que ela acredite que essa era a coisa correta a se fazer.
— Ele meu deu alguns conselhos importantes, na verdade — comecei. — Conselhos que não
posso ignorar.
Eu fora tão doce e carinhoso na noite passada, em meu encontro obrigatório em nosso forte de
mentira. Fizera tantas promessas, tentando acalmá-la. Ela não estaria esperando por isso. Não
iria receber isso bem.
— Conselhos? Que bom. É para parar de ser tão babaca comigo?
Senti a raiva subindo; aquilo já estava se tornando uma briga de ensino médio. Um homem de
trinta e quatro anos no meio da pior noite de sua vida, e eu estava tendo uma discussão do tipo
encontre comigo perto dos armários com uma garota furiosa. Eu a sacudi uma vez, com força,
uma pequena gota de saliva pousando em seu lábio inferior.
— Eu... Você não está entendendo, Andie. Isso não é uma brincadeira qualquer, é a minha
vida.
— Eu só... Eu preciso de você — disse ela, baixando os olhos para as mãos. — Sei que não
paro de falar isso, mas preciso. Eu não consigo, Nick. Não posso continuar assim. Estou
desmoronando. Sinto medo o tempo todo.
Ela estava com medo. Imaginei a polícia batendo na porta, e eu ali com a garota com quem
estava trepando na manhã em que minha esposa desapareceu. Eu a procurara naquele dia — não
tinha voltado ao apartamento dela desde a primeira noite, mas fui direto para lá naquela manhã,
porque passara horas com meu coração batendo atrás de minhas orelhas, tentando me obrigar a
dizer as palavras a Amy: Quero o divórcio. Estou apaixonado por outra pessoa. Nós temos que
terminar. Não posso fingir que amo você, não posso fazer o lance do aniversário de casamento
— na verdade seria mais errado do que ter traído você. (Eu sei: questionável.) Mas enquanto eu
reunia coragem, Amy se antecipou com o discurso de que ainda me amava (piranha mentirosa!), e
perdi a coragem. Eu me senti o pior dos traidores e covardes, e — ardil-22 — ansiei por Andie
para que ela me fizesse sentir melhor.
Mas Andie não era mais o antídoto para meu nervosismo. Era exatamente o contrário.
A garota estava se enrolando em mim mesmo naquele momento, alheia a tudo, como uma
trepadeira.
— Olha, Andie — comecei, soltando o ar, não deixando que ela se sentasse, mantendo-a
perto da porta. — Você é uma pessoa muito especial para mim. Você tem lidado com isso
impressionantemente bem.
Faça com que ela queira mantê-lo em segurança.
— É que... — falou ela, a voz fraca. — Eu lamento muito por Amy. O que é maluquice. Sei
que não tenho sequer o direito de ficar triste por ela, ou preocupada. E além dessa tristeza, eu me
sinto tão culpada...
Ela apoiou a cabeça no meu peito. Eu recuei, segurei-a a um braço de distância para que
tivesse de olhar para mim.
— Bem, essa é uma coisa que acho que podemos resolver. Acho que temos de resolver —
afirmei, usando as palavras exatas de Tanner.
— Temos de contar à polícia — disse ela. — Eu sou seu álibi para aquela manhã, vamos
simplesmente contar a eles.
— Você é meu álibi para uma hora naquela manhã. Ninguém viu ou ouviu Amy depois de
onze horas da noite anterior. A polícia pode dizer que eu a matei antes de me encontrar com
você.
— Isso é revoltante.
Dei de ombros. Pensei, por um segundo, em contar a ela sobre Amy — minha esposa está me
dando um golpe —, e rapidamente descartei a ideia. Andie não sabia jogar no nível de Amy. Ela
iria querer ser minha colega de time, e me arrastaria para baixo. Andie seria um problema dali
em diante. Coloquei as mãos nos braços dela novamente e reiniciei meu discurso.
— Olha, Andie, estamos os dois sob um volume impressionante de estresse e pressão, e
muito disso é fruto de nosso sentimento de culpa. Andie, a questão é que somos pessoas boas.
Fomos atraídos um para o outro, acho, porque ambos temos valores semelhantes. De tratar as
pessoas bem, de fazer a coisa certa. E neste momento nós sabemos que o que estamos fazendo é
errado.
Sua expressão dolorida e esperançosa mudou — os olhos molhados, o toque carinhoso
desapareceram: um estranho tremor, uma cortina que se fecha, algo escurecido em seu rosto.
— Precisamos acabar com isso, Andie. Acho que ambos sabemos. É muito difícil, mas é o
correto. Acho que é o conselho que daríamos a nós mesmos se conseguíssemos pensar direito.
Por mais que eu ame você, ainda sou casado com Amy. Tenho de fazer a coisa certa.
— E se ela for encontrada?
Ela não disse viva ou morta.
— É algo que poderemos discutir então.
— Então! E até então, o quê?
Dei de ombros, desamparado: até então, nada.
— O quê, Nick? Eu me fodo até então?
— Que jeito feio de colocar as coisas.
— Mas é o que você quer dizer — disse ela, com um sorrisinho.
— Lamento, Andie. Não acho que seja certo para mim ficar com você neste momento. É
perigoso para você, é perigoso para mim. Minha consciência não está deixando. É como eu sinto.
— É? Você sabe como eu me sinto? — Seus olhos se encheram de água, lágrimas correndo
por suas bochechas. — Eu me sinto como uma universitária idiota que você começou a comer
porque estava entediado com sua esposa e eu tornei tudo extremamente conveniente para você.
Você podia ir para casa e para Amy, jantar com ela, brincar no bar que comprou com o dinheiro
dela, e depois se encontrar comigo na casa de seu pai moribundo e tocar uma punheta nos meus
peitos porque, coitadinho, sua esposa malvada nunca deixaria você fazer isso.
— Andie, você sabe que isso não é...
— Você é um merda. Que tipo de homem você é?
— Andie, por favor. — Contenha isso, Nick. — Acho que porque você não pôde falar sobre
isso até agora, ficou tudo um pouco exagerado em sua cabeça, um pouco...
— Vá se foder. Você acha que eu sou uma criança idiota, uma estudante patética que você
pode controlar? Eu fiquei ao seu lado no meio de tudo isso, com esse papo de você poder ser um
assassino, e quando fica um pouco mais difícil para você... Não, não. Não venha me falar sobre
consciência, correção, culpa e achar que está fazendo a coisa certa. Está me entendendo? Porque
você é um merda traidor, covarde e egoísta.
Ela me deu as costas, soluçando, engolindo grandes volumes de ar úmido, e soltando
gemidos, e eu tentei detê-la, agarrei-a pelo braço.
— Andie, não é assim que eu quero...
— Tire as mãos de mim! Tire as mãos de mim!
Ela foi na direção da porta dos fundos, e eu podia ver o que ia acontecer, o ódio e o
constrangimento emanando dela como calor, sabia que ela iria abrir uma garrafa de vinho, ou
duas, e então iria contar a uma amiga, ou à mãe, e aquilo iria se espalhar como uma infecção.
Eu me coloquei na frente dela, bloqueando seu caminho para a porta — Andie, por favor —,
ela ergueu o braço para me dar um tapa, e eu agarrei seu braço, só para me defender. Nossos
braços se moveram juntos para cima e para baixo, para cima e para baixo, como dançarinos
loucos.
— Solte meu braço, Nick, ou eu juro...
— Fique só um minuto. Apenas me escute.
— Me solte!
Ela levou o rosto na direção do meu como se fosse me beijar. Ela me mordeu. Eu recuei e ela
passou em disparada pela porta.
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