terça-feira, 18 de agosto de 2015

AMY ELLIOTT DUNNE DEZ DIAS SUMIDA


Vamos cruzando divisas estaduais de carro até Illinois, até um bairro particularmente
medonho de uma cidade falida junto ao rio, e passamos uma hora limpando o carro, depois o
deixamos com a chave na ignição. Chame isso de ciclo da luta: o casal do Arkansas que o dirigiu
antes de mim escondia algo; Amy de Ozarks era obviamente questionável; com sorte, algum
marginal de Illinois também tiraria proveito dele por um tempo.
Então dirigimos de volta para o Missouri sobre colinas ondulantes até onde vejo; entre as
árvores, o lago Hannafan cintilando. Como Desi tem família em St. Louis, ele gosta de acreditar
que esta região é antiga, antiga ao estilo Costa Leste, mas ele está errado. O lago Hannafan não
recebeu o nome de um estadista do século XIX ou de um herói da Guerra Civil. É um lago
particular, feito por máquinas em 2002 a mando de um empreiteiro de petróleo chamado Mike
Hannafan, o qual, acabou-se descobrindo, descartava ilegalmente lixo tóxico no local. A
comunidade perturbada está se esforçando para encontrar um novo nome para seu lago. Tenho
certeza de que pensaram em lago Collings.
Então, a despeito do lago bem-planejado — no qual alguns poucos moradores selecionados
podem velejar, mas não usar barcos a motor — e da casa de bom gosto de Desi — um château
suíço em escala americana —, eu não me impressiono. Esse sempre foi o problema com Desi.
Seja do Missouri ou não, não finja que o lago “Collings” é o lago de Como.
Ele se apoia no Jaguar e volta os olhos para a casa de modo que eu também tenha de fazer
uma pausa para apreciar.
— Nós nos inspiramos no maravilhoso pequeno chalé no qual minha mãe e eu ficamos em
Brienzersee — comenta. — Só ficou faltando a cordilheira.
Uma senhora falta, penso, mas coloco a mão no braço dele e digo:
— Mostre-me o interior da casa. Deve ser fabulosa.
Ele me conduz em uma pequena excursão “de um centavo”, rindo da ideia de centavo. Uma
cozinha catedrática — toda granito e cromo —, uma sala com duas lareiras que leva a uma área
externa (que moradores do Meio-Oeste chamariam de deque) com vista para a floresta e o lago.
Um salão de jogos no porão com mesa de sinuca, dardos, som surround, um bar, com o próprio
espaço externo (que moradores do Meio-Oeste chamariam de outro deque). Uma sauna junto ao
salão de jogos, e junto a ela a adega. No andar de cima, cinco quartos, dos quais o segundo maior
ele concede a mim.
— Mandei pintar — informa ele. — Sei que você adora rosa-chá.
Eu não adoro mais rosa-chá; isso foi no ensino médio.
— Você é adorável, Desi, obrigada — digo, no meu tom mais sincero.
Meus obrigados sempre saem com bastante dificuldade. Não costumo distribuí-los. As
pessoas fazem o que devem fazer e depois esperam que você as encha de palavras de gratidão —
são como empregados de iogurteria que esperam gorjeta.
Mas Desi recebe os obrigados como um gato sendo acariciado; suas costas quase se
arqueiam de prazer. Por ora o gesto vale a pena.
Coloco minha bolsa em meu quarto, tentando indicar que vou me recolher para a noite —
preciso ver como as pessoas estão reagindo à confissão de Andie e se Nick foi preso —, mas
parece que estou longe de terminar com os agradecimentos. Desi garantiu que estarei para sempre
em dívida com ele. Ele dá um sorriso-de-surpresa-especial, toma minha mão (tenho mais uma
coisa para lhe mostrar) e me leva novamente para baixo (espero mesmo que goste disto), para
um corredor que sai da cozinha (deu bastante trabalho, mas valeu muito a pena).
— Espero mesmo que goste disto — repete, e abre a porta.
É uma sala de vidro, uma estufa, percebo. Dentro há tulipas, centenas, de todas as cores.
Tulipas florescem no meio de julho na casa do lago de Desi. Em sua própria sala especial para
uma garota muito especial.
— Sei que tulipas são suas preferidas, mas a temporada é tão curta... — explica Desi. —
Então dei um jeito nisso para você. Elas irão florir o ano todo.
Ele coloca o braço em minha cintura e me leva até as flores para que eu possa apreciá-las
plenamente.
— Tulipas a qualquer dia do ano — digo, e tento fazer meus olhos brilharem. Tulipas eram
minhas preferidas no ensino médio. Eram as preferidas de todos, a gérbera do final dos anos
oitenta. Hoje eu gosto de orquídeas, que são basicamente o oposto de tulipas.
— Nick algum dia teria pensado em algo assim para você? — sussurra Desi em meu ouvido
enquanto as tulipas balançam sob uma chuva artificial.
— Nick nunca nem lembrava que eu gostava de tulipas — digo, a resposta certa.
O gesto é gentil, mais que gentil. Minha própria sala de flores, como em um conto de fadas. E
ainda assim, fico um pouco nervosa: telefonei para Desi há apenas vinte e quatro horas, e essas
não são tulipas recém-plantadas, e o quarto não cheira a tinta fresca. Isso me faz pensar: o
número maior de cartas no ano anterior, seu tom infeliz... Há quanto tempo ele quer me trazer
aqui? E quanto tempo ele acha que vou ficar? Tempo suficiente para desfrutar tulipas florescendo
todos os dias do ano.
— Deus do céu, Desi. É como um conto de fadas.
— Seu conto de fadas. Quero que veja como a vida pode ser.
Nos contos de fada sempre há ouro. Fico esperando que ele me dê uma pilha de notas, um
cartão de crédito, algo útil. A excursão passa novamente por todos os aposentos, para que eu
possa fazer ooh e aah para todos os detalhes que perdi na primeira vez, e então retornamos ao
meu quarto, um quarto de menina, cetim e seda, rosa e pelúcia, marshmallow e algodão-doce.
Enquanto olho por uma janela, noto o muro alto que cerca a casa.
Falo, nervosa:
— Desi, você poderia me deixar com algum dinheiro?
Ele finge estar surpreso.
— Você não vai precisar de dinheiro agora, vai? Não precisa mais pagar aluguel; a casa será
abastecida de comida. Posso trazer roupas novas para você. Não que não goste de você no estilo
chique-decadente.
— Acho que um pouco de dinheiro apenas me deixaria mais à vontade. Caso algo aconteça.
Caso precise sair daqui rapidamente.
Ele abre a carteira e tira duas notas de vinte dólares. Coloca-as delicadamente em minha
mão.
— Aqui está — diz, paternalista.
Pergunto-me então se cometi um erro muito grande.
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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