terça-feira, 18 de agosto de 2015

NICK DUNNE DEZ DIAS SUMIDA


O espetáculo terminou, Andie e os Elliott sumiram da tela. A produtora de Sharon desligou a
TV com a ponta do sapato. Todos na sala olhavam para mim esperando uma explicação, o
convidado da festa que acabou de cagar no chão. Sharon abriu um sorriso brilhante demais para
mim, um sorriso de raiva que forçou seu Botox. Seu rosto dobrou nos lugares errados.
— Bem? — começou ela em sua voz calma e afetada. — Que porra foi essa?
Tanner se adiantou.
— Essa era a bomba. Nick estava e está totalmente preparado para revelar e discutir seus
atos. Lamento pelo timing, mas de certa forma é melhor para você, Sharon. Terá a primeira
reação de Nick.
— Melhor ter algumas coisas muito interessantes para dizer, Nick — disse, andando e
anunciando para ninguém em particular: — Microfone nele, vamos fazer isso agora.
* * *
Revelou-se no final das contas que Sharon Schieber simplesmente me adorava. Em Nova
York eu sempre ouvira boatos de que ela mesma havia traído e voltara para o marido, uma
história muito confidencial do jornalismo. Isso fora quase dez anos antes, mas imaginei que a
necessidade de absolver ainda poderia estar ali. Estava. Ela brilhou, ela me mimou, me bajulou e
me provocou. Ela contraiu aqueles lábios carnudos brilhantes para mim com profunda
sinceridade — a mão fechada sob o queixo — e me fez as perguntas difíceis, e pela primeira vez
eu as respondi bem. Não sou um mentiroso do calibre de Amy, mas mando bem quando tenho de
mentir. Pareci um homem que amava sua esposa, que estava envergonhado de suas infidelidades
e pronto para fazer o que era certo. Na noite anterior, insone e nervoso, eu entrara na internet e
assistira a Hugh Grant no programa de Leno em 1995 se justificando com o país por ter estado
com uma prostituta. Gaguejando, vacilando, se remexendo como se não coubesse em sua própria
pele. Mas sem desculpas: “Acho que na vida você sabe o que é uma coisa boa a fazer e o que é
uma coisa ruim, e eu fiz uma coisa ruim... E aí está.” Cacete, o cara era bom — ele parecia
constrangido, nervoso, tão abalado que você sentia vontade de pegar na mão dele e dizer: Amigo,
não é tão grave assim, não se torture por causa disso. Que era o efeito que eu queria. Vi o
vídeo tantas vezes que corria o risco de usar um sotaque britânico.
Fui o perfeito homem sem sombra: o marido que Amy sempre alegou que não sabia se
desculpar finalmente o fez, usando palavras e emoções tomadas por empréstimo de um ator.
Mas funcionou. Sharon, eu fiz uma coisa ruim, uma coisa imperdoável. Não posso inventar
desculpas para isso. Decepcionei a mim mesmo, nunca havia pensado em mim como um homem
que trai. Isso é indesculpável, é imperdoável, e só quero que Amy volte para que eu possa
passar o resto da minha vida me redimindo, tratando-a como ela merece.
Ah, eu decididamente gostaria de tratá-la como ela merece.
Mas o importante é o seguinte, Sharon: eu não matei Amy. Eu nunca a machucaria. Acho
que o que está acontecendo aqui é o que eu tenho chamado [um riso] intimamente de efeito
Ellen Abbott. Esse estilo de jornalismo constrangedor e irresponsável. Estamos acostumados a
ver esses assassinatos de mulheres sendo vendidos como entretenimento, o que é revoltante, e
nesses programas quem é o culpado? É sempre o marido. Então acho que o público, e em certa
medida até mesmo a polícia, foram forçados a acreditar que esse é sempre o caso. Desde o
início, praticamente, presumiram que eu havia matado minha mulher, porque essa é a história
que sempre nos contam, e isso é errado, isso é moralmente errado. Não matei minha esposa.
Quero que ela volte para casa.
Eu sabia que Sharon gostaria de uma oportunidade de apresentar Ellen Abbott como uma
piranha sensacionalista em busca de audiência. Sabia que a elevada Sharon, com seus vinte anos
de jornalismo, suas entrevistas comArafat, Sarkozy e Obama, ficaria ofendida pela simples ideia
de Ellen Abbott. Sou (era) jornalista, eu sei como funciona, e então, quando disse essas palavras
— o efeito Ellen Abbott —, reconheci o retorcer de boca de Sharon, o erguer delicado de
sobrancelhas, a luz no rosto inteiro. Era a expressão de quando você se dá conta: consegui meu
mote.
No final da entrevista, Sharon pegou minhas mãos nas dela — frescas, um pouco calejadas,
eu lera que ela era uma golfista ávida — e me desejou o melhor.
— Ficarei de olho em você, meu caro amigo — disse, e então estava beijando Go na
bochecha e se afastando de nós, a parte de trás de seu vestido um campo de batalha cheio de
alfinetes para impedir que o pano caísse na parte da frente.
— Você foi perfeito, puta merda — elogiou Go enquanto ela seguia para a porta. — Pareceu
totalmente diferente de antes. No comando, mas não pretensioso. Até seu maxilar está menos...
babaca.
— Tirei o furinho do queixo.
— Quase, é. Vejo você em casa.
Ela chegou a me dar aquele soco de vamos-campeão no ombro.
Depois da entrevista a Sharon Schieber, eu dei duas rapidinhas — uma para TV a cabo e
outra para aberta. No dia seguinte a entrevista de Schieber iria ao ar, e depois as outras se
seguiriam, um dominó de desculpas e remorso. Eu estava assumindo o controle. Não iria mais me
contentar em ser o marido provavelmente culpado, o marido emocionalmente distante ou o
marido traidor desalmado. Eu era o cara que todos conheciam — o cara que muitos homens (e
mulheres) já foram: Eu traí, eu me sinto um merda, farei o que for necessário para consertar a
situação porque sou um homem de verdade.
* * *
— A situação está razoável — anunciou Tanner enquanto terminávamos. — A coisa com
Andie não será tão medonha quanto poderia graças à entrevista para Sharon. A partir de agora, só
precisamos ficar à frente de todo o resto.
Go telefonou e eu atendi. A voz dela era fina e aguda.
— A polícia está aqui com um mandado para o depósito... Também estão na casa de papai.
Eles estão.... Estou assustada.
* * *
Go estava fumando um cigarro na cozinha quando chegamos, e a julgar pelo cinzeiro kitsch
dos anos setenta transbordando, ela estava no segundo maço. Um garoto desajeitado e sem
ombros com cabelo à escovinha e um uniforme da polícia estava junto a ela em um dos bancos do
balcão.
— Este é Tyler — apresentou ela. — Ele foi criado em Tennessee, e tem um cavalo chamado
Custard...
— Custer — corrigiu Tyler.
— Custer, e é alérgico a amendoins. Não o cavalo, Tyler. Ah, e ele tem uma lesão na
articulação do ombro, que é a mesma lesão dos arremessadores de beisebol, embora não saiba
muito bem como arranjou isso — disse ela, dando um trago no cigarro. Seus olhos lacrimejaram.
— Ele está aqui há muito tempo.
Tyler tentou lançar um olhar severo para mim, terminou olhando para seus sapatos bem
engraxados.
Boney apareceu pelas portas deslizantes dos fundos da casa.
— Dia cheio, rapazes — falou. — Gostaria que tivesse se dado o trabalho de nos contar,
Nick, que tinha uma namorada. Teria nos poupado muito tempo.
— Ficaremos contentes de discutir isso, bem como o conteúdo do depósito, duas questões
que estávamos prestes a revelar a vocês — disse Tanner. — Francamente, se você tivesse feito a
cortesia de nos contar sobre Andie, muita dor poderia ter sido evitada. Mas vocês precisavam da
coletiva, tinham de conseguir a publicidade. Revoltante, expor aquela garota daquela forma.
— Está bem — disse Boney. — E então, o depósito. Querem vir comigo?
Ela nos deu as costas, abrindo caminho sobre a grama irregular de final de verão até o
depósito. Uma teia de aranha pendia de seus cabelos como um véu de noiva. Gesticulou
impacientemente quando viu que eu não a seguia.
— Vamos — chamou. — Não vou morder você.
O depósito estava iluminado por várias luzes portáteis, fazendo com que parecesse ainda
mais sinistro.
— Quando foi a última vez que esteve aqui, Nick?
— Muito recentemente, quando a caça ao tesouro de minha esposa me trouxe aqui. Mas não
são coisas minhas, e não toquei em nada...
Tanner me interrompeu.
— Meu cliente e eu temos uma nova teoria explosiva... — começou Tanner, mas se conteve.
A falsa voz de locutor de TV era tão incrivelmente medonha e inadequada que todos
estremecemos.
— Ah, explosiva, que empolgante — disse Boney.
— Estávamos prestes a informá-los...
— É mesmo? Que momento conveniente — comentou. — Fiquem aqui, por favor.
A porta pendia frouxamente das dobradiças, um cadeado quebrado pendurado do lado. Gilpin
estava do lado de dentro, catalogando os produtos.
— Esses são os tacos de golfe com os quais você não joga? — perguntou Gilpin, empurrando
os tacos reluzentes.
— Nada disso é meu; nada disso foi colocado aqui por mim.
— Engraçado, porque tudo aqui corresponde às compras feitas com os cartões de crédito que
também não são seus — cortou Boney. — Isso é, como dizem, o recanto do guerreiro? Um
santuário masculino em construção apenas esperando que a esposa desaparecesse
definitivamente. Você tem belos hobbies, Nick.
Ela tirou três grandes caixas de papelão e as colocou aos meus pés.
— O que é isso?
Boney as abriu com a ponta dos dedos, enojada, a despeito das mãos enluvadas. Dentro havia
dezenas de DVDs pornôs, carnes de todas as cores e tamanhos expostas nas capas.
Gilpin deu um risinho.
— Tenho de admitir, Nick, quer dizer, todo homem tem necessidades...
— Os homens são muito visuais, era o que o meu ex sempre dizia quando eu o flagrava —
disse Boney.
— Os homens são muito visuais, mas, Nick, essa merda me fez corar — afirmou Gilpin. —
Uma parte me deixou um pouco enojado também, e eu não fico enojado com facilidade.
Ele espalhou alguns dos DVDs como um baralho de cartas feias. A maioria dos títulos
insinuava violência: Anal brutal, Boquetes brutais, Putas humilhadas, Foda sádica com
piranhas, Piranhas estupradas, e uma série chamada Machuque a piranha, volumes 1 a 18,
cada um com fotos de mulheres se contorcendo de dor enquanto homens maliciosos enfiavam
objetos nelas, rindo.
Virei o rosto.
— Ah, agora ele parece constrangido — constatou Gilpin, sorrindo.
Mas não respondi, porque vi Go sendo conduzida para o banco de trás de um carro da
polícia.
* * *
Nós nos encontramos uma hora depois na delegacia. Tanner foi contra isso — eu insisti.
Apelei para seu ego iconoclasta milionário de caubói de rodeio. Íamos contar a verdade à
polícia. Estava na hora.
Eu podia suportar que eles fodessem com minha vida — mas não com a da minha irmã.
— Estou concordando com isso porque acho que sua prisão é inevitável, Nick, não importa o
que façamos — disse ele. — Se deixarmos que saibam que estamos prontos para falar, podemos
conseguir mais informações sobre o caso que eles têm contra você. Sem um cadáver, eles vão
querer muito uma confissão, então vão tentar sufocar você com as provas. E isso pode nos dar o
suficiente para melhorar nossa defesa.
— E contamos tudo a eles, certo? Contamos a eles sobre as pistas, as marionetes e Amy.
Eu estava em pânico, ansioso para ir, podia imaginar a polícia naquele instante esquentando
minha irmã sob uma lâmpada nua.
— Contanto que você me deixe falar — observou Tanner. — Se for eu a falar sobre a
armação, eles não poderão usar isso contra nós no julgamento... Se apresentarmos uma defesa
diferente.
Era preocupante que meu advogado achasse a verdade tão totalmente inacreditável.
* * *
Gilpin nos encontrou nos degraus da delegacia, uma Coca na mão, jantar fora de hora.
Quando virou para nos conduzir para dentro, vi as costas encharcadas de suor. O sol se pusera
havia muito, mas a umidade continuava. Ele sacudiu os braços uma vez e a camisa balançou e
grudou de volta em sua pele.
— Ainda está calor — comentou. — Deve ficar ainda mais quente ao longo da noite.
Boney esperava por nós na sala de interrogatório, aquela da primeira noite. A Noite Do. Ela
trançara os cabelos escorridos e os prendera no alto da cabeça em um coque bastante
impressionante, e usava batom. Perguntei-me se ela teria um encontro. Uma situação do tipo
Encontro você depois da meia-noite.
— Você tem filhos? — perguntei, puxando uma cadeira.
Ela pareceu surpresa e ergueu um dedo.
— Um.
Ela não disse um nome, idade ou qualquer outra coisa. Boney estava em modo trabalho.
Tentou esperar que começássemos.
— Você começa — disse Tanner. — Conte o que tem.
— Está bem — concordou Boney. — Certo.
Ela ligou o gravador, dispensou as preliminares.
— Você alega, Nick, que nunca comprou ou tocou os objetos que estão no depósito na
propriedade de sua irmã.
— Correto — respondeu Tanner por mim.
— Nick, suas digitais estão em praticamente todos os objetos no depósito.
— Isso é mentira! Eu não encostei em nada, nem uma coisa lá! A não ser em meu presente de
aniversário de casamento, que Amy deixou lá dentro.
Tanner tocou meu braço: Cale a porra da boca.
— Nick, suas digitais estão nos pornôs, nos tacos de golfe, nos estojos de relógio, até mesmo
na TV.
E então eu vi quanto Amy devia ter gostado disso: meu sono profundo e relaxado (com o qual
eu a atormentava, com minha crença de que se pelo menos ela fosse mais relaxada, mais como eu,
sua insônia poderia desaparecer) se virou contra mim. Eu podia ver: Amy de joelhos, meu ronco
aquecendo suas bochechas, enquanto ela apertava a ponta de um dedo aqui e outra ali, ao longo
de meses. Ela poderia ter me drogado, até onde sei. Lembro-me dela olhando para mim certa
manhã quando acordei, o visco do sono grudando meus lábios, e ela dizendo: “Você dorme o
sono dos condenados, sabia? Ou dos drogados.” Eu era as duas coisas e não sabia.
— Quer explicar as digitais? — perguntou Gilpin.
— Contem o resto para nós — disse Tanner.
Boney colocou na mesa entre nós um fichário de capa de couro biblicamente grosso,
chamuscado nas beiradas.
— Reconhece isso?
Dei de ombros, balancei a cabeça negativamente.
— É o diário de sua esposa.
— Hã, não. Amy não era chegada a diários.
— Na verdade era, sim, Nick. Manteve por uns sete anos — disse Boney.
— Está bem.
Algo ruim estava prestes a acontecer. Minha esposa estava sendo esperta de novo.
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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