terça-feira, 18 de agosto de 2015

NICK DUNNE DEZ DIAS SUMIDA


Errei ao me sentir tão confiante. O que quer fosse a porra daquele diário, ele iria me
arruinar. Eu já podia ver a capa do livro policial baseado em fatos reais: nossa foto de
casamento em preto e branco, o fundo vermelho-sangue, a chamada: incluindo dezesseis páginas
de fotos inéditas e anotações reais do diário de Amy Elliott Dunne — uma voz do além... Eu
achara estranho e um pouco meigo, os prazeres culpados de Amy, aqueles livros baratos de
crimes reais que eu descobrira aqui e ali pela casa. Achei que ela talvez estivesse relaxando, se
permitindo um pouco de leitura de entretenimento.
Não. Ela estava apenas estudando.
Gilpin puxou uma cadeira, se sentou nela ao contrário e se inclinou para mim com braços
cruzados — seu visual de policial de cinema. Era quase meia-noite; parecia mais.
— Conte sobre a doença de sua esposa nos últimos meses — disse ele.
— Doença? Amy nunca ficava doente. Uma vez por ano pegava um resfriado, talvez.
Boney pegou o caderno, abriu em uma página marcada.
— Mês passado você preparou drinques para você e Amy, se sentaram na varanda de trás.
Ela escreve aqui que os drinques estavam insuportavelmente doces e descreve o que acha ser
uma reação alérgica: Meu coração estava acelerado, minha língua, pastosa, grudada no fundo
da boca. Minhas pernas fraquejaram enquanto Nick me ajudou a subir as escadas. — Ela
parou, colocou um dedo para marcar o ponto no diário, ergueu os olhos como se talvez eu não
estivesse prestando atenção. — Quando ela acordou na manhã seguinte: Minha cabeça doía e
meu estômago estava revirando, mas ainda mais estranho, minhas unhas estavam azul-claras,
e quando me olhei no espelho, meus lábios também estavam. Não fiz xixi durante dois dias
depois disso. Me sentia muito fraca.
Balancei a cabeça, enojado. Eu me afeiçoara a Boney; esperava mais dela.
— Essa é a caligrafia de sua esposa? — perguntou Boney inclinando o caderno na minha
direção, e eu vi tinta preta e a letra cursiva de Amy, irregular como um gráfico.
— Sim, acho que sim.
— O nosso especialista em caligrafia também acha.
Boney disse as palavras com certo orgulho, e eu me dei conta: este era o primeiro caso
desses dois que exigia especialistas externos, que exigia que tivessem contato com profissionais
que faziam coisas exóticas como analisar caligrafia.
— Sabe o que mais descobrimos, Nick, quando mostramos essa anotação a nosso especialista
médico?
— Envenenamento — soltei.
Tanner franziu a testa para mim: quieto.
Boney gaguejou por um segundo; não era uma informação que eu devesse fornecer.
— É, Nick, obrigada: envenenamento por anticongelante — disse ela. — Clássico. Ela deu
sorte de sobreviver.
— Ela não sobreviveu, porque isso nunca aconteceu — falei. — Como você disse, é
clássico, foi tirado de uma busca na internet.
Boney franziu a testa, mas se recusou a morder a isca.
— O diário não pinta um retrato bonito de você, Nick — continuou, um dedo brincando com
a trança. — Agressão: você a empurrava. Estresse: se irritava fácil. Relações sexuais que eram
quase estupros. Ela estava com muito medo de você no final. É doloroso de ler. Aquela arma
sobre a qual estávamos nos perguntando, ela diz que a queria por estar com medo de você. Eis a
última anotação: Esse homem talvez me mate. Esse homem talvez me mate, em suas próprias
palavras.
Minha garganta fechou. Achei que fosse vomitar. Principalmente medo, depois um surto de
fúria: Piranha desgraçada, piranha desgraçada, vadia, vadia, vadia.
— Que anotação esperta e conveniente com a qual terminar — falei.
Tanner colocou a mão sobre a minha para me calar.
— Parece que você quer matar sua esposa outra vez, nesse momento — disse Boney.
— Você não fez nada além de mentir para nós, Nick — falou Gilpin. — Diz que estava na
praia naquela manhã. Todos com quem falamos dizem que você odeia praia. Diz que não tem
ideia do que todas aquelas compras estão fazendo em seus cartões de crédito estourados. Agora
temos um depósito cheio com exatamente aqueles objetos, e eles estão cobertos com as suas
digitais. Temos uma esposa sofrendo com o que parece ser envenenamento por anticongelante
semanas antes de desaparecer. Quer dizer, espera aí... — disse, fazendo uma pausa para criar um
efeito.
— Mais alguma coisa digna de nota? — perguntou Tanner.
— Sabemos que você esteve em Hannibal, onde a bolsa de sua esposa apareceu alguns dias
depois — completou Boney. — Temos um vizinho que ouviu vocês dois discutindo na noite
anterior. Uma gravidez que você não queria. Um bar comprado com o dinheiro de sua esposa e
que voltaria para ela no caso de um divórcio. E claro, claro: uma namorada secreta de mais de
um ano.
— Podemos ajudar você agora, Nick — afirmou Gilpin. — Quando prendermos você, não
poderemos mais.
— Onde vocês encontraram o diário? Na casa do pai de Nick? — perguntou Tanner.
— Sim — respondeu Boney.
Tanner acenou com a cabeça para mim: foi o que não conseguimos achar.
— Deixa eu adivinhar: denúncia anônima.
Nenhum dos policiais falou nada.
— Posso perguntar onde na casa vocês o encontraram?
— Na fornalha. Sei que você achou que tinha queimado o diário. Ele pegou fogo, mas a
chama piloto estava fraca demais; ela foi sufocada. Então apenas as beiradas queimaram —
explicou Gilpin. — Uma sorte enorme para nós.
A fornalha — outra piada de Amy! Ela sempre se dissera espantada com quão pouco eu
entendia de coisas que homens deveriam entender. Durante nossa busca eu até olhara para o
velho aquecedor do meu pai, com seus canos, fios e registros, e recuara, intimidado.
— Não foi sorte. Era para que vocês encontrassem — comentei.
Boney deixou o canto esquerdo de sua boca se transformar em um sorriso. Ela se recostou e
esperou, relaxada como o astro de um comercial de chá gelado. Eu acenei com a cabeça
raivosamente para Tanner: vá em frente.
— Amy Elliott Dunne está viva, e está incriminando Nick Dunne por seu assassinato —
começou ele.
Cruzei as mãos e me empertiguei, tentando fazer algo que me desse um ar de razão. Boney me
encarou. Eu precisava de um cachimbo, óculos que pudesse retirar rapidamente para causar um
efeito, um conjunto de enciclopédias junto ao meu cotovelo. Eu me senti animado. Não ria.
Boney franziu a testa.
— Como é?
— Amy está viva e muito bem, e está incriminando Nick — repetiu meu representante.
Eles trocaram olhares, curvados sobre a mesa: Dá para acreditar nesse cara?
— Por que ela faria isso? — perguntou Gilpin, esfregando os olhos.
— Porque ela o odeia. Obviamente. Ele era um marido de merda.
Boney olhou para o chão, bufou.
— Eu certamente concordo com você nisso.
Ao mesmo tempo, Gilpin disse:
— Ah, pelo amor de Deus.
— Ela é maluca, Nick? — indagou Boney se inclinando para a frente. — O que você está
falando é loucura. Está me ouvindo? Teria demorado uns seis meses, um ano, para armar tudo
isso. Ela teria de odiar você, querer o seu mal, um mal absoluto, sério, horrendo, durante um ano.
Você sabe como é difícil sustentar esse tipo de ódio por tanto tempo?
Ela era capaz de fazer isso. Amy era capaz.
— Por que não simplesmente se divorciar de você? — mandou Boney.
— Isso não serviria à... noção de justiça dela — retruquei.
Tanner me lançou outro olhar.
— Meu Deus, Nick, você não está cansado de tudo isso? — perguntou Gilpin. — Temos isso
nas palavras da sua própria esposa: Acho que ele poderia me matar.
Em algum momento alguém dissera a eles: usem muito o nome do suspeito, isso o deixará à
vontade, conhecido. A mesma ideia utilizada em vendas.
— Você esteve na casa do seu pai recentemente, Nick? — questionou Boney. — Tipo em
nove de julho?
Merda. Por isso Amy mudou o código do alarme. Lutei contra outra onda de desgosto comigo
mesmo: que minha esposa tenha me manipulado duas vezes. Não apenas ela me enganou para que
eu achasse que ainda me amava, mas ainda me obrigou a me incriminar. Que garota perversa.
Quase ri. Meu Deus, como eu a odiava, mas não dava para não admirar a piranha.
Tanner começou:
— Amy usou as pistas para obrigar meu cliente a ir a esses vários locais, onde ela deixara
provas; Hannibal, a casa do pai, para que ele se incriminasse. Meu cliente e eu trouxemos essas
pistas conosco. Como cortesia.
Ele tirou as pistas e as cartinhas de amor, abriu-as na frente dos policiais como um truque de
cartas. Suei enquanto eles liam, querendo que erguessem os olhos e me dissessem que agora
estava tudo claro.
— Certo. Você diz que Amy o odiava tanto que passou meses armando para incriminar você
pelo seu assassinato? — quis saber Boney com a voz baixa e contida de uma mãe desapontada.
Olhei para ela sem expressão.
— Isso não parece uma mulher com raiva, Nick — disse ela.
— Ela está se esforçando para se desculpar com você, sugerir que podem recomeçar, para
dizer quanto ela o ama: Você é caloroso — você é meu sol. Você é brilhante, você tem humor.
— Ah, puta que pariu.
— Mais uma vez, Nick, uma reação inacreditavelmente estranha para um homem inocente —
observou Boney. — Aqui estamos nós, lendo palavras doces, talvez as últimas de sua esposa
para você, e você parece estar com raiva. Eu ainda me lembro da primeira noite: Amy
desaparecida, você entra aqui, nós o colocamos neste mesmo lugar por quarenta e cinco minutos,
e você parecia entediado. Nós o observamos na câmera de vigilância, você praticamente
adormeceu.
— Isso não tem nada a ver com nada... — argumentou Tanner.
— Eu estava tentando ficar calmo.
— Você parecia calmo, muito calmo — afirmou Boney. — O tempo todo você agiu... de
modo inadequado. Sem emoção, de forma leviana.
— É simplesmente como eu sou, você não entende? Sou estoico. Excessivamente. Amy
sabe... Ela reclamava disso o tempo todo. Que eu não era empático o bastante, que me escondia
dentro de mim mesmo, que não sabia lidar com emoções difíceis — tristeza, culpa. Ela sabia que
eu pareceria totalmente suspeito. Puta merda! Falem com Hilary Handy, pode ser? Falem com
Tommy O’Hara. Eu falei com eles! Eles dirão como ela é.
— Nós falamos com eles — informou Gilpin.
— E?
— Hilary Handy cometeu duas tentativas de suicídio desde o ensino médio. Tommy O’Hara
foi para uma clínica de reabilitação duas vezes.
— Provavelmente por causa de Amy.
— Ou porque eles são seres humanos profundamente instáveis e cheios de culpa — retrucou
Boney. — Vamos voltar à caça ao tesouro.
Gilpin leu em voz alta a Pista 2 em um tom monótono intencional.
Você me trouxe aqui para que eu ouvisse sua conversa maneira
Sobre suas aventuras de menino: jeans baratos e viseira
Que se dane todo mundo, deles nós vamos nos livrar
E vamos roubar um beijo... Fingir que acabamos de nos casar.

— Você diz que isso foi escrito para obrigar você a ir a Hannibal? — perguntou Boney.
Confirmei com um gesto de cabeça.
— Não diz Hannibal em lugar nenhum — rebateu ela. — Nem sequer insinua isso.
— O chapéu-viseira é uma velha piada interna nossa sobre...
— Ah, uma piada interna — repetiu Gilpin.
— E quanto à pista seguinte, sobre a pequena casa marrom? — perguntou Boney.
— Ir à casa do meu pai — respondi.
O rosto de Boney ficou rígido novamente.
— Nick, a casa do seu pai é azul — falou, e se virou para Tanner revirando os olhos: É isso
que vocês estão me dando?
— Parece que você está inventando “piadas internas” nessas pistas — considerou Boney. —
Quer dizer, nada mais conveniente do que isso: descobrimos que você esteve em Hannibal, e,
quem diria, esta pista secretamente significa ir a Hannibal.
— O último presente — prosseguiu Tanner, colocando a caixa na mesa — é um indício não
tão sutil. Bonecos de Punch e Judy. Como tenho certeza de que sabem, Punch mata Judy e seu
bebê. Isso foi descoberto por meu cliente. Queríamos entregá-los a vocês.
Boney puxou a caixa, vestiu luvas de látex e tirou as marionetes.
— Pesado — constatou. — Sólido.
Ela examinou a renda do vestido da mulher, a roupa colorida do homem. Pegou o boneco
masculino, examinou a barra de madeira grossa com os encaixes para os dedos.
Ela congelou, franzindo a testa, a marionete masculina nas mãos. Então virou a boneca mulher
de cabeça para baixo, de modo que a saia subiu.
— Este não tem manete — disse, se virando para mim. — Havia um manete?
— Como eu posso saber?
— Um manete vinte por dez, muito grosso e pesado, com sulcos para dar uma empunhadura
realmente boa? — questionou. — Um manete como um maldito bastão?
Ela olhou para mim e eu pude ver o que ela estava pensando: Você está jogando um jogo.
Você é um sociopata. Você é um assassino.

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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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