quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Capítulo I


1801
Acabei de chegar de uma visita ao meu senhorio — o único vizinho que
me poderá incomodar. Que bela região, esta! Em toda a Inglaterra, acho que
não poderia ter encontrado um lugar tão completamente afastado da
sociedade humana. Um perfeito paraíso para os misantropos; eu e o Sr.
Heathcliff formamos um par bem adequado para dividi-lo entre ambos.
Grande sujeito! Não deve ter suspeitado de como simpatizei com ele, assim
que vi os seus olhos negros recolherem-se, desconfiados, sob as sobrancelhas,
à medida que eu me aproximava, e os seus dedos afundarem ainda mais, com
ciumenta determinação, no seu colete, quando anunciei quem era.
— Sr. Heathcliff? — disse eu. A resposta foi um aceno.
— Sou Lockwood, o seu novo inquilino. Tenho a honra de vir falar
com o senhor logo após a minha chegada, para dizer-lhe que espero não o ter
importunado com a minha insistência em solicitar a ocupação da Granja
Thrushcross; ouvi dizer, ontem, que o senhor tinha pensado . . .
— A Granja Thrushcross pertence-me — interrompeu ele secamente.
— Não iria permitir que ninguém me importunasse e, se pudesse me opor a
isso. . . Entre!
Esse "entre" foi dito entre dentes e no tom de quem diz: "Vá para o
diabo!" Até mesmo a cancela em que ele se apoiava não fez qualquer
movimento para acompanhar as suas palavras, e acho que foi precisamente isso que me levou a aceitar o convite: sentia-me interessado por aquele
homem, cuja misantropia parecia ainda maior do que a minha.
Quando ele viu o meu cavalo empurrar a porteira, estendeu a mão para
abri-la e precedeu-me, soturnamente, ordenando, ao entrarmos no pátio: —
Joseph, leve o cavalo do Sr. Lockwood; e traga-nos vinho.
"Eis aí toda a criadagem", pensei, ao ouvir aquela dupla ordem. "Não
espanta que a grama cresça entre as pedras do caminho e o gado seja o único
jardineiro."
Joseph era um homem de idade, ou melhor, um autêntico velho; muito
velho, talvez, embora saudável e enérgico. — Deus nos acuda! — murmurou
com evidente desprazer, enquanto me desembaraçava do cavalo, e ao mesmo
tempo me olhava com ar tão sombrio, que eu caridosamente conjeturei que
talvez ele precisasse do socorro divino para digerir o seu almoço e sua piedosa
exclamação nada tivesse que ver com a minha inesperada visita.
A propriedade do Sr. Heathcliff chama-se, adequadamente, Wuthering
Heights (O Morro dos Ventos Uivantes, N. do E.), sendo wuthering um
significativo adjetivo provinciano para designar o tumulto atmosférico ao qual
ela está sujeita em tempo tempestuoso. De fato, ali sempre sopra um ar puro
e estimulante; pode-se imaginar a fúria do vento do norte soprando sobre a
propriedade, pela excessiva inclinação de alguns enfezados abetos plantados
na extremidade da casa e por uma fila de esquálidos espinheiros, todos
estendendo os seus membros na mesma direção, como se pedindo esmolas ao
sol. Felizmente, o arquiteto cuidou de fazê-la forte: as janelas, estreitas, estão
bem embutidas na parede, e os cantos são defendidos por grandes pedras salientes.

Antes de atravessar a soleira, parei para admirar uma quantidade de
grotescos entalhes espalhados sobre a fachada e, principalmente, à volta da
porta, por cima da qual, entre uma orgia de grifos semi-esboroados e
menininhos despudorados, detectei a data 1500 e o nome Hareton Earnshaw.
Tive vontade de fazer alguns comentários e pedir ao proprietário que me
fornecesse um breve histórico do lugar, mas a sua atitude parecia exigir que eu
entrasse sem mais delongas ou então partisse, e não quis aumentar-lhe a
irritação antes de ter entrado.
Um passo e estávamos na sala, sem qualquer vestíbulo ou corredor
introdutório; aqui, dão à sala o nome de "casa", e geralmente serve de cozinha
e de sala de estar. Mas creio que no Morro dos Ventos Uivantes a cozinha
fora forçada a retirar-se para outros quartéis; pelo menos, distingui um
barulho de tenazes e utensílios culinários vindo de dentro da casa, e não vi
sinais de assados ou cozidos na enorme lareira, nem brilho de caçarolas de
cobre ou passadores de lata nas paredes. Numa extremidade da sala, porém, a
luz e o calor do fogo se refletiam esplendidamente em filas de imensos pratos
de estanho, entremeados de canecas e jarras de prata, que se erguiam, sobre
um vasto aparador de carvalho, como uma torre, até o teto. Este nunca fora
tapado: toda a sua anatomia estava à vista, exceto onde uma prateleira, cheia
de bolos de aveia, pedaços de pernas de bois e de carneiros, pernis e
presuntos, a escondia. Sobre a lareira viam-se várias armas de fogo antigas, de
aspecto terrível, e um par de enormes pistolas, além de três caixas de folhas
para chá pintadas com cores vivas e dispostas, à guisa de ornamento, ao longo
da beirada da lareira. O chão era de pedra branca e lisa; as cadeiras, primitivas
e de espaldar alto, pintadas de verde; uma ou duas, mais pesadas e negras, entreviam-se na penumbra. Sob um arco, debaixo do aparador, repousava
uma grande cadela pointer, vermelho-escura e rodeada por uma porção de
barulhentos cachorrinhos. Outros cães perambulavam de um lado para outro.
O aposento e a sua decoração não teriam nada de extraordinário se
pertencessem a um pacato fazendeiro local, de aspecto teimoso e membros
rijos, realçados por calções até os joelhos e polainas. Um tal fazendeiro, sentado
na sua poltrona, caneca de cerveja espumejando sobre uma mesa
redonda à sua frente, é coisa que se vê em qualquer passeio de cinco ou seis
milhas por estas colinas, desde que se faça a visita a uma hora certa, logo
depois do almoço. Mas o Sr. Heathcliff contrasta singularmente com a casa
em que mora e o seu estilo de vida. Na aparência, é um autêntico cigano de
pele escura; no trajar e nas maneiras, um cavalheiro — isto é, um cavalheiro
como o são tantos fidalgos do interior: bastante desalinhado, talvez, mas não
desagradavelmente, graças à sua silhueta esbelta e ereta, e também bastante
arisco. Possivelmente algumas pessoas veriam orgulho nele; eu tenho com ele
uma afinidade que me diz não ser nada disso; sei, por instinto, que a sua
reserva vai desde uma aversão às demonstrações ostensivas de sentimentos
até as manifestações mútuas de gentileza. Deve amar e odiar igualmente, em
silêncio, e achar uma espécie de impertinência no fato de ser amado e odiado.
Não, estou me precipitando, atribuindo-lhe demasiadamente a minha própria
maneira de ser. O Sr. Heathcliff talvez tenha razões inteiramente diferentes
das minhas para não estender a mão ao fazer um novo conhecimento.
Suspeito que o meu temperamento seja quase peculiar; a minha querida mãe
costumava dizer que eu nunca teria um verdadeiro lar, e ainda no verão
passado provei ser completamente indigno de o possuir.

Ao gozar um mês de bom tempo à beira-mar, conheci uma criatura fascinante: uma verdadeira deusa para os meus olhos, enquanto não reparou
em mim. Nunca lhe confessei verbalmente o meu amor; mas, se é certo que
os olhares falam, o mais completo idiota teria percebido que eu estava
apaixonado. Por fim, ela o entendeu e lançou-me também um olhar — o mais
doce dos olhares. E que foi que eu fiz? Confesso-o, envergonhado — recolhime
a mim mesmo, qual um caramujo; a cada olhar dela, mais eu me encolhia,
maior frieza aparentava; até que, finalmente, a pobre começou a duvidar dos
seus próprios sentidos e, cheia de confusão pelo suposto engano, convenceu a
mãe de que deviam partir. Graças a essa estranha mudança de atitude, ganhei
a reputação de ser uma pessoa desumana; quão pouco a mereço, só eu o sei.
Tomei assento a uma das extremidades da lareira, em frente ao meu
senhorio, e tentei preencher um intervalo de silêncio acariciando a cadela, que
deixara a sua ninhada e se esgueirava por trás das minhas pernas, o focinho
arreganhado e as brancas presas como que se preparando para morder. A
minha carícia provocou um rosnar longo e gutural.
— É melhor deixar a cadela em paz — rosnou também o Sr.
Heathcliff, evitando maiores demonstrações com um pontapé. — Ela não
está acostumada a mimos. . . — não a tratamos como um animal de
estimação. — E, dirigindo-se para uma porta lateral, gritou, uma vez mais: —
Joseph!
Joseph respondeu qualquer coisa dos fundos da adega, mas não deu
sinal de subir, de modo que o amo mergulhou ao encontro dele, deixando-me
vis-à-vis com a terrível cadela e um par de felpudos cães pastores, que com ela
mantinham uma zelosa guarda sobre os meus movimentos. Não desejando entrar em contato com as suas presas, conservei-me quieto; mas, imaginando
que eles por certo não entenderiam insultos implícitos, tive a triste idéia de me
pôr a piscar e a fazer caretas para o trio, e não sei que contorção da minha
fisionomia irritou a madame, que de repente se atirou sobre mim, furiosa.
Repeli-a e apressei-me a interpor a mesa entre nós. Esse procedimento
excitou toda a matilha: meia dúzia de demônios de quatro patas, de vários
tamanhos e idades, saíram de diversos esconderijos e pularam para cima de
mim. Senti os calcanhares e as abas do casaco serem atacados; e, afastando os
combatentes maiores da melhor maneira possível, com o atiçador, vi-me
obrigado a pedir, em voz alta, que alguém da casa me ajudasse a restabelecer a
paz.
O Sr. Heathcliff e o seu criado subiram a escada da adega com irritante
calma; não creio que se movessem um segundo mais depressa do que de
hábito, embora a sala fosse um verdadeiro pandemônio de gritos e latidos.
Felizmente, alguém da cozinha apressou-se um pouco mais: uma robusta
senhora, com o vestido arregaçado, braços nus e faces avermelhadas pelo
fogo, correu para onde estávamos, brandindo uma frigideira; e tal uso fez
dessa arma e da sua língua, que a tempestade amainou magicamente, e só ela
ficou ali, ofegando como o mar após um vendaval, quando o seu patrão
entrou em cena.
— Que diabo está acontecendo aqui? — perguntou ele, olhando-me de
maneira que eu mal podia suportar, após tão inóspito tratamento.
— Que diabo, realmente! — resmunguei. — Uma vara de porcos
danados não poderia ter piores instintos do que esses seus cães. É quase a
mesma coisa que deixar um estranho com um bando de tigres!

— Eles não se metem com pessoas que não mexem em nada —
observou ele, colocando a garrafa diante de mim e devolvendo a mesa ao seu
lugar. — Os cães fazem bem em ser vigilantes. Aceita um copo de vinho?
— Não, muito obrigado.
— Não foi mordido, foi?
— Se tivesse sido, teria deixado o meu sinete no animal.
O rosto de Heathcliff abriu-se numa espécie de sorriso.
— Ora, ora — disse —, o senhor está nervoso, Sr. Lockwood. Vamos,tome um copo de vinho. As visitas são de tal modo raras nesta casa, que eu e
os meus cães, devo confessá-lo, mal sabemos como recebê-las. À sua saúde!
Curvei-me e brindei à saúde dele, começando a perceber que seria idiota
ficar ofendido pelo mau procedimento de meia dúzia de cães; além disso, não
queria proporcionar mais motivo para diversão, pois era isso o que estava
acontecendo. Quanto a ele, provavelmente movido pela prudente lembrança
de que era loucura ofender um bom inquilino, abandonou um pouco o
lacônico estilo de economizar nos pronomes e nos verbos auxiliares e iniciou
o que supunha ser um assunto de interesse para mim: uma dissertação sobre
as vantagens e as desvantagens do meu novo lugar de retiro. Achei-o muito
inteligente nos tópicos que tocamos; e, antes de me despedir, senti-me
encorajado a dizer que voltaria amanhã. Evidentemente, ele não queria nova
intrusão. Mesmo assim, irei. É espantoso como pareço sociável, se
comparado com ele.
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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