sexta-feira, 14 de agosto de 2015

CAPÍTULO XXX


Fui uma vez ao Morro, mas não a vi desde que ela se foi: Joseph
segurou a porta com a mão, quando fui perguntar por ela, e não me deixou
entrar. Disse que a Sra. Linton estava ocupada e que o patrão não estava em
casa. Zillah contou-me alguma coisa da maneira como vivem; de outra forma,
eu mal saberia quem tinha morrido e quem continuava vivo. Acha Catherine
orgulhosa e, pelos seus comentários, deduzo que não gosta dela. A minha
jovem ama pediu-lhe ajuda, assim que chegou, mas o Sr. Heathcliff disse-lhe
que cuidasse da sua vida e deixasse a sua nora cuidar de si mesma — ao que
Zillah aquiesceu de boa vontade, pois é uma mulher mesquinha e egoísta.
Catherine reagiu infantilmente a esse descaso; pagou-o com desdém e assim
colocou a minha informante entre os seus inimigos, como se lhe tivesse feito
alguma coisa. Há cerca de mês e meio, tive uma longa conversa com Zillah —
pouco antes de o senhor vir para cá —, um dia em que nos encontramos na
charneca, e eis o que ela me contou:
— A primeira coisa que a Sra. Linton fez, ao chegar ao Morro, foi
correr escada acima, sem sequer dar boa-noite a mim e a Joseph; fechou-se no
quarto de Linton e lá ficou até de manhã. Depois, quando o patrão e Earnshaw
estavam tomando o desjejum, entrou na sala e perguntou, com voz
trêmula, se podia chamar o médico, pois o seu primo estava muito mal.
" 'Já sabemos disso!', respondeu Heathcliff. 'Mas a vida dele não vale
dez réis e não vou gastar dinheiro com ele.'" 'Mas eu não sei o que fazer', insistiu ela, 'e se ninguém me ajudar ele
morrerá!'
" 'Saia da sala', gritou o patrão, 'e nunca mais me fale dele! Ninguém
aqui se importa com o que lhe possa acontecer; se você se importa, cuide
dele; se não, tranque-o no quarto e deixe-o morrer.'
"Ela então começou a. aborrecer-me e eu lhe respondi que já tinha tido
bastante trabalho com aquele garoto impertinente; cada qual tinha a sua tarefa
e a dela era cuidar de Linton. O Sr. Heathcliff ordenara-me que deixasse isso a
seu cargo.
"Como eles faziam, eu não sei. Imagino que ele se queixasse muito e
gemesse noite e dia e que ela quase não descansasse; a gente podia ver isso
pela palidez do seu rosto e pelas olheiras. Às vezes ela entrava na cozinha
com ar alarmado, como se quisesse pedir ajuda; mas eu não ia desobedecer ao
patrão: nunca me atrevo a desobedecer-lhe, Sra. Dean; e, embora achasse que
Kenneth devia ser chamado, não era da minha conta dar conselhos ou
reclamar, e sempre me recusei a intrometer-me. Uma ou duas vezes, depois
de me haver deitado, aconteceu ter de abrir a porta do quarto e vi-a chorando,
no alto da escada; mas tratei logo de fechar a porta, com medo de ser
obrigada a interferir. Tinha pena dela, claro; mas não queria perder o
emprego, a senhora compreende.
"Finalmente, uma noite ela entrou resolutamente no meu quarto e
assustou-me terrivelmente, dizendo:
" 'Vá dizer ao Sr. Heathcliff que o filho está morrendo. . . tenho a
certeza de que está, desta vez. Levante-se e vá lhe dizer isso.'
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"Disse isso e desapareceu. Fiquei um quarto de hora tremendo e de
ouvido alerta. Nada se movia. A casa estava em silêncio.
" 'Ela está enganada', pensei com os meus botões. 'Ele teve um acesso,
mas já passou. Não preciso incomodá-los.' E comecei a cochilar. Mas o meu
sono foi interrompido, uma segunda vez, pelo toque estridente da campainha,
a única campainha que temos, instalada propositadamente para Linton; e o
patrão chamou-me para saber o que estava acontecendo e informar-lhes que
não queria estrondo àquela hora.
"Transmiti-lhe o recado de Catherine. Ele praguejou e dali a poucos
minutos saiu com uma vela acesa, a caminho do quarto deles. Acompanhei-o.
A Sra. Heathcliff estava sentada junto à cama, com as mãos cruzadas no
regaço. O sogro entrou, aproximou a vela do rosto de Linton, olhou para ele
e tocou-o; depois, voltou-se para ela.
" 'Como é que você se sente agora, Catherine?', perguntou.
"Ela não respondeu. Ele insistiu.
" 'Ele está livre e eu também', falou, por fim. 'Devia me sentir bem,
mas. . .', continuou, com uma amargura que não conseguia esconder, 'o
senhor me deixou tanto tempo lutando sozinha contra a morte, que eu só
sinto e vejo morte! Sinto-me como morta, também.'
"E parecia mesmo! Dei-lhe um pouco de vinho. Hareton e Joseph, que
tinham sido acordados pela campainha e pelo barulho de passos e das nossas
vozes, entraram no quarto. Joseph estava ansioso, eu acho, para que o rapaz
fosse removido; Hareton parecia um pouco emocionado, embora estivesse
mais ocupado a olhar para Catherine do que a pensar em Linton. Mas o
patrão mandou-o voltar para a cama: não precisávamos da sua ajuda. Depois,
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ordenou que Joseph levasse o corpo para o seu quarto e disse-me para voltai
para o meu, deixando a Sra. Heathcliff sozinha.
"De manhã, mandou-me dizer-lhe que ela devia descer para o desjejum.
Ela se despira, aparentemente para se deitar, e disse que não se sentia bem, o
que não me surpreendeu. Informei disso o Sr. Heathcliff, que retrucou:
" 'Bem, deixe-a em paz até depois do funeral; e suba de vez em quando,
para lhe levar o que for preciso. Tão logo ela pareça melhor, avise-me'."
Cathy ficou no quarto duas semanas, segundo Zillah, que a ia visitar
duas vezes por dia, e ter-se-ia mostrado bem mais amiga, se as suas tentativas
de aproximação não fossem pronta e orgulhosamente repelidas.
Heathcliff subiu tão logo pôde, para lhe mostrar o testamento de
Linton. Legara tudo o que era dele e os bens móveis dela ao pai: a pobre
criatura devia ter sido ameaçada ou levada ardilosamente a fazer isso durante
a semana em que estivera ausente pela morte do pai. Quanto às terras, sendo
ele menor de idade, não podia dispor delas. Contudo, o Sr. Heathcliff apelou
e conservou-as em nome da esposa e do seu próprio, creio que legalmente: de
qualquer maneira, privada de dinheiro e de amigos, Catherine não pode fazer
nada contra isso.
— Ninguém — contou Zillah — aproximou-se do quarto dela, exceto
dessa vez, senão eu; e ninguém fez qualquer pergunta sobre ela. A primeira
vez que ela desceu para a sala foi um domingo à tarde. Queixara-se, quando
lhe levei o almoço, de que não podia mais suportar o frio, e eu disse-lhe que o
patrão ia à Granja Thrushcross e que eu e Earnshaw não a impedíamos de
descer; de modo que, mal ouviu o galope do cavalo de Heathcliff se afastar,
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apareceu, toda vestida de preto e com os cachos louros penteados para trás
das orelhas, como se fosse uma quacre: não tinha vontade de se arrumar.
"Eu e Joseph geralmente vamos à capela aos domingos" (a igreja, como
o senhor sabe, não tem agora ministro — explicou a Sra. Dean — e chamam
capela ao templo dos metodistas ou dos batistas. . . não sei bem qual. . . que
há em Gimmerton). "Joseph tinha ido", continuou ela, "mas eu achei
conveniente ficar em casa. Os jovens precisam sempre de alguém mais velho
para vigiá-los e Hareton, com toda a sua timidez, não é um modelo de bom
comportamento. Dei-lhe a entender que a sua prima viria, provavelmente,
fazer-nos companhia e que estava habituada a respeitar os domingos, de
modo que era melhor ele deixar de lado as suas espingardas e os seus trabalhos,
enquanto ela estivesse presente. Ele ficou vermelho e olhou para as
mãos e para a roupa. Depois, pôs a pólvora e o óleo lubrificante fora de vista.
Percebi que queria fazer-lhe companhia e adivinhei que desejava estar
apresentável; por isso, rindo — como não me atrevo a rir, quando o patrão
está por perto —, ofereci-me para auxiliá-lo, se ele quisesse, e trocei da sua
confusão. Ele se zangou e começou a praguejar.
"Ora, Sra. Dean", prosseguiu Zillah, vendo que não me agradava a sua
maneira de falar, "decerto a senhora acha a sua menina demasiado fina para o
Sr. Hareton — e tem razão; mas eu confesso que gostaria de ver o orgulho
dela diminuído. E de que lhe adiantam agora todos os seus conhecimentos e
delicadezas? Está tão pobre quanto eu ou a senhora: ainda mais pobre, eu
acho, porque a senhora está poupando e eu também."
Hareton permitiu que Zillah o ajudasse e ela, mediante lisonjas,
restituiu-lhe o bom humor, de modo que, quando Catherine entrou, já quase
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esquecida dos seus antigos insultos, ele tentou mostrar-se agradável, segundo
a narrativa da governanta.
— A senhora entrou — disse ela —, fria como gelo e altiva como uma
princesa. Levantei-me e ofereci-lhe o meu lugar na poltrona, mas ela arrebitou
o nariz. Earnshaw também se levantou e disse-lhe que se sentasse no sofá,
perto do fogo, pois certamente ela estaria com frio.
" 'Tenho estado com frio há um mês e tanto', respondeu ela, da maneira
mais desdenhosa possível.
"Puxou uma cadeira e colocou-a bem afastada de nós dois. Quando já
se sentia aquecida, começou a olhar em volta e descobriu alguns livros no
aparador; pôs-se imediatamente de pé e esticou-se para tentar alcançá-los, mas
eles estavam demasiado altos. O primo, que acompanhava todos os seus
gestos, finalmente criou coragem e resolveu ajudá-la; ela levantou o vestido e
ele lhe jogou no regaço o primeiro volume que apanhou.
"Era um grande progresso, para o rapaz. Ela não lhe agradeceu, mas
assim mesmo ele ficou satisfeito por ela ter aceito a sua ajuda e atreveu-se a
ficar de pé atrás da cadeira e até a inclinar-se e apontar para o que mais lhe
chamava a atenção numas velhas gravuras que o livro tinha. Fingia não
reparar na maneira impertinente como ela virava as páginas de modo a lhe
afastar o dedo e contentava-se com recuar um pouco e olhar para ela, em vez
de para o livro. Ela continuava a ler ou a procurar alguma coisa para ler. Aos
poucos, a atenção dele foi se concentrando na contemplação dos grossos e
sedosos cachos dela: não lhe podia ver o rosto, nem ela o podia ver. E, talvez
sem saber o que fazia, mas atraído como uma criança para uma vela, por fim
ele estendeu a mão e tocou num cacho, tão suavemente como se fosse um passarinho. Mas foi como se lhe tivesse enfiado uma faca na nuca, tal a reação
dela.
" 'Saia daí imediatamente! Como é que você ousa tocar-me? Por que
está aí, de pé?', gritou, num tom de repulsa. 'Não posso com você! Voltarei
para o meu quarto, se você se aproximar de mim.'
"O Sr. Hareton recuou, com ar apatetado; sentou-se, muito quieto, no
sofá e ela continuou a virar as páginas por mais meia hora; finalmente,
Earnshaw atravessou a sala e falou no meu ouvido:
" 'Quer pedir a ela para ler para nós, Zillah? Estou cansado de não fazer
nada; e gostava. . . Acho que gostava de ouvir ela ler! Não diga que eu pedi,
tá?'
" 'O Sr. Hareton gostaria que a senhora lesse para nós', falei
imediatamente. 'Gostaria muito. . . Ficaria muito grato.'
"Ela franziu a testa e, olhando para nós, respondeu:
" 'O Sr. Hareton e todos vocês fiquem sabendo que rejeito todas as
simulações de amizade que têm a hipocrisia de me oferecer! Desprezo-os e
não tenho nada a dizer a nenhum de vocês! Quando teria dado a minha vida
por uma boa palavra ou mesmo por ver o rosto de vocês, todos me falharam.
Mas não me queixarei! O frio me impeliu a vir até aqui, não para distraí-los ou
gozar da sua companhia'.
" 'Que foi que eu fiz?', começou Earnshaw. 'Que culpa que eu tenho?'
" 'Bem, você é uma exceção', respondeu a Sra. Heathcliff. 'Nunca senti
falta dos seus cuidados.'
" 'Mas eu me ofereci mais de uma vez', retrucou ele, abespinhando-se.
'Pedi ao Sr. Heathcliff para me deixar sair da cama pra lhe atender. . .'
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" 'Cale-se! Irei daqui para fora, sei lá para onde, para não ter de ouvir a
sua voz horrível!', disse a minha ama.
"Hareton resmungou que, por ele, ela podia ir para o inferno e,
pegando na espingarda, não se incomodou mais em guardar o domingo.
Passou a falar alto e livremente, até que ela achou melhor retirar-se para a sua
solidão; mas o degelo começara e, apesar do seu orgulho, ela foi obrigada a
condescender cada vez mais com a nossa companhia. Contudo, resolvi não
deixar que ela voltasse a fazer pouco do meu bom gênio; desde então, tenho
me mostrado tão seca quanto ela e a sua ama não tem quem goste dela —
nem merece —, pois não se pode dizer-lhe uma palavra, que ela logo se
enfurece, sem respeito pôr ninguém! Responde até para o patrão e desafia-o a
surrá-la; e quanto mais sofre mais cheia de veneno fica."
Assim que Zillah acabou de me contar isso, resolvi deixar o meu
emprego, alugar uma casinha e fazer com que Catherine viesse viver comigo;
mas o Sr. Heathcliff nunca permitiria isso, da mesma maneira que não instalaria
Hareton numa casa independente; de modo que não vejo saída,
atualmente, para esse estado de coisas, a menos que ela pudesse voltar a casar, coisa que está fora do meu alcance.

A história da Sra. Dean terminou aqui. Não obstante o prognóstico do
médico, estou recobrando rapidamente as forças e, embora estejamos apenas
na segunda semana de janeiro, pretendo, dentro de um ou dois dias, ir a
cavalo até o Morro dos Ventos Uivantes, a fim de informar o meu senhorio
de que passarei os próximos seis meses em Londres e que, se ele quiser, pode procurar outro inquilino para alugar a granja a partir de outubro. Eu não passaria
outro inverno aqui por nada deste mundo.

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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