sexta-feira, 14 de agosto de 2015

CAPÍTULO XXXII


1802
Este setembro, fui convidado a conhecer as charnecas de um amigo, no norte, e, a caminho, cheguei inesperadamente a quinze milhas de Gimmerton.
O estribeiro de uma estalagem de beira de estrada estava trazendo um balde
de água para dessedentar os meus cavalos, quando passou uma carroça cheia
de aveia verde, acabada de ceifar, e ele comentou:
— Aquilo está vindo de Gimmerton! Estão sempre três semanas
atrasados com a colheita deles.
— Gimmerton? — repeti; minha residência nessa localidade já estava
nebulosa na minha memória. — Ah, conheço! Fica muito longe daqui?
— Umas catorze milhas pra lá desses morros; mas a estrada é ruim —
respondeu ele.
Senti o súbito desejo de fazer uma visita à Granja Thrushcross. Era
pouco mais de meio-dia e pensei que melhor passaria a noite sob o meu
próprio teto do que numa estalagem. Além do mais, bem poderia aproveitar o
dia para acertar contas com o meu senhorio, poupando-me assim o incômodo
de vir outra vez até ali. Após descansar um pouco, mandei o meu criado
perguntar o caminho para o povoado e, com grande fadiga para as nossas montarias, fizemos a distância em cerca de três horas.

Deixei o meu criado em Gimmerton e desci o vale sozinho. A igreja
acinzentada parecia mais cinzenta ainda e o cemitério ainda mais solitário.
Avistei uma ovelha pastando a grama curta que crescia sobre as sepulturas.
O tempo estava bom, quente — demasiado quente para viajar; mas o
calor não me impediu de apreciar o belo panorama à minha volta: se o tivesse
visto, pela primeira vez, no fim do verão, estou certo de que me teria tentado
a passar um mês naquela solidão. No inverno, nada havia de mais inóspito e,
no verão, de mais divino, do que aqueles vales cercados por morros e do que
aquelas ondulações de charneca.
Cheguei à granja antes do pôr-do-sol e bati à porta, mas a família já se
tinha retirado para os fundos, a julgar por uma fina fumaça azulada que saía
da chaminé da cozinha, e ninguém ouviu. Dei a volta e entrei pelo terreiro.
Debaixo do alpendre estava uma menina de nove ou dez anos, tricotando, e
uma velha fumava cachimbo, encostada nos degraus.
— A Sra. Dean está? — perguntei à velha.
— A Sra. Dean? Não! — respondeu ela. — Não mora mais aqui: está lá
em cima, no Morro.
— A senhora é a governanta, então? — insisti.
— É, eu tomo conta da casa — falou ela.
— Bem, eu sou o Sr. Lockwood, o dono da casa. Há algum quarto
onde eu possa ficar? Quero passar a noite aqui.
— O patrão! — exclamou ela, atônita. — Quem que sabia que o senhor
ia chegar? — O senhor devia ter mandado avisar. Não tem nada pronto, não
senhor!

Tirou o cachimbo da boca e entrou em casa; a menina seguiu-a e eu
também, logo percebendo que o que ela dissera era verdade e, também, que a
minha inesperada aparição quase a pusera fora de si. Disse-lhe que ficasse
calma, que eu iria dar um passeio e que, entretanto, ela preparasse um canto
de uma das salas para que eu jantasse e um quarto onde dormir. Não
precisava varrer nem limpar o pó, apenas acender um bom fogo e pôr na
cama lençóis passados. Ela parecia ansiosa por agradar, embora usasse a
vassoura da lareira para remexer as brasas e mal empregasse vários outros
utensílios caseiros. Saí, confiando em que encontraria um lugar onde
repousar, quando regressasse. O Morro dos Ventos Uivantes era o objetivo
da excursão que eu pretendia fazer. Mas pensei melhor e voltei, quando já
tinha deixado o terreiro.
— Está tudo bem no Morro? — perguntei à velha.
— Está, pelo que a gente sabe — respondeu ela, passando com um
balde cheio de carvões em brasa.
Meu desejo era perguntar-lhe por que razão a Sra. Dean abandonara o
seu posto na granja, mas era impossível detê-la com os carvões, de modo que
dei meia-volta e saí, com o clarão do sol poente atrás de mim e o brilho
prateado da lua surgindo à minha frente, quando deixei o parque e subi pelo
atalho pedregoso que levava à propriedade do Sr. Heathcliff. Antes que eu
chegasse diante da casa, tudo o que restava do dia era uma débil luz cor de
âmbar vinda de oeste; mas o luar permitia-me ver todas as pedras no caminho
e todas as folhinhas de grama. Não tive nem de pular a cancela, nem de bater
— ela cedeu à minha mão. "Que progresso!", pensei. E com as narinas constatei um outro: um aroma de goivos pairava no ar, vindo de entre as
árvores frutíferas.
Tanto as portas quanto as gelosias estavam abertas; e, contudo, como
geralmente acontece numa região carbonífera, um belo fogo vermelho
iluminava a lareira: a alegria que ele dá aos olhos torna o calor suportável. Mas
a sala do Morro é tão grande que os meus moradores têm espaço de sobra
para se afastarem do fogo, se assim o desejarem; e, na verdade, as pessoas que
lá estavam se tinham colocado perto de uma das janelas. Pude vê-las e ouvilas
falar antes mesmo de entrar e foi o que fiz, levado por um misto de
curiosidade e inveja, que aumentou ao chegar mais perto.
— Con-trário! — disse uma voz doce e cristalina. — É a terceira vez, seu
burro! Não lhe vou dizer de novo. Trate de se lembrar ou lhe puxo o cabelo!
— Muito bem, contrário — retrucou outra voz, ressonante mas suave.
— E agora dê-me um beijo, para recompensar o meu esforço.
— Não, primeiro leia tudo certinho, sem um erro. O rapaz começou a
ler: era um jovem bem vestido e
sentado a uma mesa, com um livro diante dele. Seus traços corretos
iluminavam-se de satisfação e seus olhos deslocavam-se, impacientemente, da
página para uma mãozinha branca pousada em seu ombro, que lhe ministrava
um tapa no rosto sempre que sua dona percebia no aluno sinais de falta de
atenção. A moça estava de pé, atrás dele, seus cachos louros e lustrosos
misturando-se, de vez em quando, com os escuros cabelos dele, sempre que
se inclinava para acompanhar-lhe a leitura; e o rosto dela!
— ainda bem que ele não lhe podia ver o rosto, ou não poderia prestar atenção ao que lia. Mas eu lhe via o rosto; e mordi os lábios, despeitado, por

ter jogado fora a chance que poderia ter tido de fazer algo mais do que
contemplar a sua sorridente beleza.
A tarefa terminou, com mais alguns erros; mas o aluno reclamou um
prêmio e recebeu pelo menos cinco beijos
— os quais, entretanto, generosamente retribuiu. Dirigiram-se, depois,
para a porta e, pela conversa deles, depreendi que iam sair para dar um
passeio pela charneca. Imaginei que seria condenado por Hareton Earnshaw,
em pensamento se não por palavras, à região mais profunda do inferno, se me
fizesse mostrar naquela ocasião; e, sentindo-me maldoso e mesquinho,
esgueirei-me dali e procurei refúgio na cozinha. Também aí a porta estava
aberta e na soleira se sentava a minha velha amiga Nelly Dean, cosendo e
cantando, o que de vez em quando era interrompido por uma voz vinda de
dentro, cujas palavras cheias de intolerância nada tinham de musicais.
— Juro que preferia mil vezes ouvir eles praguejando da manhã até de
noite, que ouvir você cantar! É uma vergonha, eu não poder abrir a Bíblia
Sagrada, sem você começar a cantar hinos para Satã e em honra de tudo
quanto é pecado deste mundo! Agora que vocês estão bem, e o pobre rapaz
vai acabar se perdendo! Coitado! — acrescentou, com um gemido. — Está
enfeitiçado, eu sei! Ó Senhor, julgai elas, pois não tem outra lei nem outra justiça nesta terra!
— E não! Ou já estaríamos ardendo, creio — retrucou a minha antiga
governanta. — Leia a sua Bíblia, como bom cristão, e não ligue para mim. O
que eu estou cantando se chama As bodas da bela Aninha, e é para dançar.
A Sra. Dean ia recomeçar a cantar, quando eu entrei. Reconhecendo-me logo, ela se pôs de pé num salto, exclamando:

— Deus o abençoe, Sr. Lockwood! Por que é que não nos avisou da
sua chegada? Está tudo fechado, lá na granja.
— Já arranjei acomodações lá — respondi. — Amanhã mesmo vou
embora. E como veio parar aqui, Sra. Dean? Conte-me.
— Zillah despediu-se e o Sr. Heathcliff pediu-me que viesse para cá,
pouco depois de o senhor ter partido para Londres, e que ficasse até o senhor
voltar. Mas entre, por favor! Veio de Gimmerton a pé?
— Não, da granja — respondi. — Enquanto preparam um quarto para
mim lá, quero acertar contas com o seu patrão, pois não creio que terei outra
oportunidade, tão depressa.
— Que contas? — perguntou Nelly, conduzindo-me para dentro da
casa. — O patrão saiu e não voltará tão cedo.
— As contas do aluguel — respondi.
— Ah, sim! Nesse caso, tem de acertá-las com a Sra. Heathcliff — falou
ela — ou, antes, comigo. Ela ainda não aprendeu a dirigir os seus negócios, de
modo que eu me encarrego disso, pois não há mais ninguém.
Olhei para ela, espantado.
— Ah, vejo que não sabe que Heathcliff morreu! — continuou ela.
— Heathcliff morreu! — repeti, atônito. — Há quanto tempo?
— Há três meses. Mas sente-se, dê-me o seu chapéu e já lhe conto
tudo. Espere, o senhor não comeu nada, não é?
— Não quero nada, obrigado. Pedi que me preparassem uma ceia, para
quando voltar à granja. Sente-se, também. Nunca podia imaginar que ele
tivesse morrido! Conte-me como foi. Diz que não os espera de volta cedo. . . os dois jovens?

— Não. Todas as noites preciso ralhar com eles por causa desses
passeios noturnos. . . mas eles não ligam para mim. Pelo menos, beba uma
caneca da sua velha cerveja; o senhor parece cansado.
Apressou-se a ir buscar a cerveja antes que eu pudesse recusar e ouvi
Joseph perguntar se "não era um escândalo ela ter amigos com a idade dela? E
ainda por cima, roubar cerveja da adega do patrão! Era até uma vergonha ele
ver e ficar calado".
Ela não se deu ao trabalho de responder; voltou dali a um minuto,
trazendo uma caneca de prata, cujo conteúdo bebi com prazer. A seguir
contou-me o resto da história de Heathcliff. Tivera um fim "esquisito", disse.
Fui chamada aqui ao Morro uma quinzena depois de o senhor se ter ido
embora — contou; — e obedeci alegremente, por causa de Catherine. Logo
que a vi, porém, fiquei chocada e preocupada: ela tinha mudado tanto desde a
nossa separação! O Sr. Heathcliff não me explicou as razões por que havia
resolvido chamar-me; disse apenas que me queria aqui e que estava farto de
ver Catherine. Eu tinha de transformar a saleta numa salinha de estar e fazer
com que ela ficasse comigo. Já chegava ele ser obrigado a vê-la uma ou duas
vezes por dia. Catherine pareceu satisfeita com isso e, aos poucos, fui lhe
trazendo, às escondidas, uma boa quantidade de livros e outros artigos que
haviam sido dela, na granja, imaginando que viveríamos relativamente bem.
Mas a ilusão não durou muito. Catherine, a princípio contente, não tardou a
ficar irritadiça e inquieta. Por um lado, estava proibida de sair do jardim e
punha-a num estado de terrível mau humor ser obrigada a ficar confinada aos
seus estreitos limites, à medida que a primavera se afirmava; por outro lado, as
minhas tarefas forçavam-me a deixá-la constantemente entregue a si mesma, e ela se queixava de solidão: preferia discutir com Joseph na cozinha a ficar em
paz, mas só. Não me importavam as brigas deles; mas Hareton também era
muitas vezes compelido a se refugiar na cozinha, quando o patrão queria a
casa só para si; e, embora de início ela saísse ao vê-lo entrar ou viesse ajudarme
nas minhas ocupações, e evitasse dirigir-se a ele — e embora ele estivesse
sempre tão calado e emburrado quanto lhe era possível —, após algum tempo
ela mudou de atitude e ficou incapaz de o deixar sossegado: ora lhe falava,
provocando-o; ora comentava a sua estupidez e ociosidade, expressando o
seu espanto de que ele pudesse suportar a vida que levava — como podia
passar toda a noite olhando para o fogo e cochilando.
— É igualzinho a um cão, não é, Ellen? — observou certa vez. — Ou a
um desses burros que puxam carroças. . . Faz o seu trabalho, come o que lhe
põem à frente e dorme! Que espírito vazio, horrível, ele deve ter! Você
alguma vez sonha, Hareton? Com o quê? Mas você é incapaz de falar comigo!
E olhou para ele; mas Hareton recusou-se a falar ou mesmo a olhar
para ela.
— Talvez ele esteja sonhando, agora — continuou ela. — Estremeceu
os ombros igualzinho a Juno. Pergunte-lhe, Ellen.
— O Sr. Hareton vai acabar pedindo ao patrão para mandá-la para
cima, se você não se comportar! — repliquei. Ele não só estremecera os ombros, como também fechara o punho, dando a impressão de que pretendia
usá-lo.
— Sei por que é que Hareton nunca fala quando eu estou na cozinha!
— exclamou ela, de outra feita. — Tem medo de que eu ria dele. Ellen, que é
que você acha? Certa vez, começou a aprender a ler sozinho e, como eu risse,
jogou os livros no fogo e desistiu de aprender; não foi, bobo?
— E você, não foi impertinente? Vamos, responda — disse eu.
— Talvez tenha sido — continuou ela —, mas não esperava que ele
fosse tão bobo. Hareton, se eu lhe der um livro, você quer tentar de novo?
Colocou-lhe na mão o livro que estava folheando; ele o atirou longe e
disse que, se ela não o deixasse em paz, lhe torcia o pescoço.
— Bem, vou pô-lo aqui — falou —, na gaveta da mesa. Vou me deitar.
Sussurrou-me que visse se ele ia buscá-lo e subiu. Mas Hareton nem
sequer se aproximou da mesa. Disse-lhe isso no dia seguinte e ela ficou muito
desapontada. Via-se que lamentava vê-lo perseverar na teimosia e na
indolência; a consciência reprovava-a por tê-lo desmoralizado a ponto de ele
não querer mais progredir. Mas não cessava de pensar em como remediar o
mal feito: enquanto eu passava a ferro ou fazia qualquer outra coisa na
cozinha, ela trazia um dos seus livros prediletos e lia em voz alta, para mim.
Se Hareton lá estava, ela geralmente parava num trecho interessante e deixava
o livro aberto. Fez isso repetidamente, mas ele era mais teimoso que um
burro e, em vez de morder a isca, na estação chuvosa punha-se a fumar com
Joseph e os dois ficavam sentados como autômatos, um de cada lado do fogo,
o mais velho felizmente demasiado surdo para entender as bobagens danadas
que ela falava, como ele dizia, e o jovem esforçando-se por parecer não a
ouvir. Nas noites de luar, Hareton saía para caçar e Catherine ficava
bocejando ou suspirando e pedindo-me que falasse com ela, para correr para
o pátio ou para o jardim, tão logo eu começava; e, como último recurso, chorava e dizia estar cansada de viver, pois a sua era uma vida inútil.

O Sr. Heathcliff, cada vez mais misantropo, quase banira Earnshaw dos
seus aposentos. Devido a um acidente ocorrido no começo de março, o rapaz
passou alguns dias confinado na cozinha. A espingarda disparara inesperadamente,
certo dia que saíra à caça; ferira-se no braço e perdera uma
grande quantidade de sangue, antes de chegar a casa. Conseqüentemente, viase
condenado a ficar junto da lareira, sem se mexer, até se recuperar.
Catherine parecia gostar de tê-lo ali: pelo menos, parecia detestar cada vez
mais a saleta do primeiro andar, e fazia-me procurar ocupações no andar
térreo, para poder fazer-lhe companhia.
Na segunda-feira de Páscoa, Joseph foi à feira de Gimmerton, com
algumas cabeças de gado para vender. À tarde, pus-me a passar roupa na
cozinha. Earnshaw sentava-se, como sempre taciturno, à beira da chaminé e a
minha jovem ama procurava passar o tempo desenhando figuras nas vidraças,
cantarolando e lançando olhadelas de aborrecimento e impaciência na direção
do primo, que continuava a fumar como se nada visse, olhos fixos no fogo.
Quando eu lhe disse que não me tirasse a luz, ela se retirou para junto da
lareira. Não prestei mais atenção nela, até que a ouvi dizer:
— Sabe de uma coisa, Hareton? Descobri que quero. . . que gostaria de
que você me tratasse mesmo como primo. Mas você é sempre tão rude para
comigo, parece sempre tão zangado. . .
Hareton não respondeu.
— Hareton, está me ouvindo? — persistiu ela.
— Fora daqui! — grunhiu ele, com inflexível rudeza.
— Deixe-me tirar-lhe esse cachimbo — falou ela, estendendo cautelosamente a mão e puxando-o dentre os lábios dele.

Antes que Hareton pudesse fazer alguma coisa, o cachimbo fora partido e jogado para trás do fogão. Ele praguejou e pegou outro.
— Pare! — gritou ela. — Primeiro você precisa escutar-me. E não
posso falar com essas nuvens de fumaça no meu rosto.
— Vá para o inferno! — exclamou ele, com ferocidade. — Vá para o
inferno e me deixe em paz!
— Não — retrucou ela —, não vou deixá-lo em paz; não sei o que
fazer para que você fale comigo. . . e você está resolvido a não me escutar.
Quando o chamo de estúpido, não significa que o desprezo. Vamos, você tem
de conversar comigo, Hareton! Você é meu primo.
— Não quero nada com você e com o seu maldito orgulho nem com
sua mania de caçoar dos outros! — respondeu ele. — Prefiro ir para o inferno
que olhar para você. Vá saindo daqui, já, neste minuto!
Catherine franziu a testa e postou-se novamente junto à janela,
mordendo o lábio e cantarolando para ocultar uma vontade crescente de soluçar.
— Devia fazer as pazes com sua prima, Sr. Hareton — intrometi-me —
, uma vez que ela se mostra arrependida da sua impertinência. Far-lhe-ia
muito bem: o senhor ficaria outro se a tivesse como amiga.
— Amiga! — repetiu ele. — Ela me odeia e não me acha capaz nem de
lhe limpar os sapatos! Não! Mesmo que eu me transformasse num rei não ia
correr mais o risco de que ela ria de mim.
— Não sou eu que o odeio, Hareton, você é que me odeia! — chorou
Cathy, incapaz de se conter por mais tempo. — Você me odeia tanto quanto o Sr. Heathcliff, ou mais ainda.

— Você é uma mentirosa dos diabos — retrucou Earnshaw. — Por
que é que eu fiz ele ficar furioso mais de cem vezes, defendendo você? E isso
quando você caçoava de mim e. . . Continue me atormentando e eu saio daqui
e vou contar que você me obrigou a sair da cozinha!
— Não sabia que você me tinha defendido — respondeu ela,
enxugando os olhos — e sentia-me triste e amargurada. Mas agora eu lhe
agradeço e lhe peço que me perdoe. Que mais posso fazer?
Voltou para junto dele e estendeu-lhe a mão. Hareton fechou a cara
como se fosse uma nuvem carregada e conservou os punhos resolutamente
fechados e os olhos fixos no chão. Catherine, instintivamente, deve ter
adivinhado que era pura teimosia e não antipatia o que o levava a proceder
assim; porque, após permanecer um instante indecisa, curvou-se e beijou-o na
face, docemente. Pensou que não a tinha visto e, endireitando-se, postou-se
de novo à janela. Abanei a cabeça, desaprovadoramente, e ela corou e
sussurrou:
— Bem, que é que eu podia fazer, Ellen? Ele não queria dar-me a mão
e nem olhar para mim. Tinha de lhe mostrar, de alguma maneira, que gosto
dele, que quero que sejamos amigos.
Não posso afirmar se o beijo convenceu Hareton: durante alguns
minutos, tomou muito cuidado para não deixar ver o rosto e, quando por fim
o ergueu, não sabia para onde olhar.
Catherine pôs-se a embrulhar um dos seus livros preferidos em papel
branco e, depois de passar-lhe uma fita, e endereçá-lo ao Sr. Hareton Earnshaw, pediu-me que lhe servisse de embaixatriz e entregasse o presente ao destinatário.
— Diga-lhe que, se ele o aceitar, lhe ensinarei a lê-lo corretamente, mas
que, se ele o recusar, irei para cima e nunca mais o incomodarei.
Levei o livro e repeti o recado, ante o olhar ansioso da minha patroa.
Hareton continuava de punhos cerrados, de modo que lhe pousei o livro nos
joelhos, de onde ele não o tirou. Voltei ao meu trabalho. Catherine reclinou a
cabeça e os braços na mesa, até ouvi-lo desembrulhar o presente;
imediatamente se levantou e se foi sentar ao lado do primo. Ele estremeceu e
seu rosto abriu-se, como se tivesse descartado de vez toda a rudeza. Mas não
pôde criar coragem para responder ao olhar interrogativo da prima ou ao seu
sussurrado pedido:
— Diga que me perdoa, Hareton! Ficaria tão feliz se você dissesse que
sim!
Ele murmurou algo inaudível.
— E você vai ser meu amigo? — insistiu Catherine.
— Não, você ficaria envergonhada de mim — respondeu ele; — cada
vez mais envergonhada, à medida que fosse me conhecendo; e eu não posso
agüentar isso.
— Quer dizer que não quer ser meu amigo? — perguntou ela, sorrindo
docemente e chegando-se mais perto dele.
Não consegui ouvir mais nada mas, ao erguer a cabeça, vi dois rostos
tão radiantes curvados sobre a página do livro, que percebi haver sido o
tratado de paz ratificado por ambas as partes — e os inimigos foram, desde
então, os melhores aliados.
O livro era cheio de belas gravuras; tanto elas como a posição em que
os dois se encontravam fizeram com que permanecessem imóveis até Joseph
399
voltar para casa. O pobre velho ficou boquiaberto ao deparar com Catherine
sentada no mesmo banco que Hareton Earnshaw e apoiando a mão no
ombro dele sem que o seu favorito a arredasse; o espanto foi tal, que nem
pôde falar nada. A sua emoção revelou-se apenas através dos imensos
suspiros que soltou, ao abrir solenemente a sua grande Bíblia em cima da
mesa, cobrindo-a de notas sujas que tirara da carteira, o produto das
transações do dia. Por fim, chamou Hareton.
— Leve isto para o patrão, rapaz — falou —, e fique por lá. Eu vou
indo para o meu quarto. Isto aqui não está próprio para nós: temos de
procurar outro lugar.
— Venha, Catherine — disse eu. — Nós também vamos subir; já
terminei de passar.
— Ainda não são oito horas! — respondeu ela, levantando-se a
contragosto. — Hareton, vou deixar o livro em cima da lareira e amanhã
trarei mais.
— Vou jogar fora todo livro que eu encontrar — falou Joseph. —
Agora, vocês podem fazer o que quiser!
Cathy respondeu que, se isso acontecesse, ela faria o mesmo com os
livros dele e, sorrindo ao passar por Hareton, subiu a escada, cantando —
mais alegre, creio, do que jamais estivera naquela casa, exceto, talvez, durante
as suas primeiras visitas a Linton.
A amizade assim iniciada cresceu rapidamente, embora encontrasse
interrupções temporárias. Earnshaw não se civilizou da noite para o dia e a
minha patroa não era nenhum modelo de paciência; mas, como ambos desejavam virtualmente a mesma coisa — uma, amar e estimar, o outro, amar e ser
estimado —, no fim conseguiram entender-se muito bem.
Como vê, Sr. Lockwood, era fácil conquistar o coração de Catherine.
Mas agora estou contente de que o senhor não o tenha tentado. O que eu
mais desejo é a união desses dois jovens. No dia em que eles se casarem, serei
a mulher mais feliz de toda a Inglaterra!
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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