domingo, 16 de agosto de 2015

NICK DUNNE SETE DIAS SUMIDA


Dei alguns passos dentro do depósito antes de ter de me apoiar na parede e tomar fôlego.
Eu sabia que seria ruim. Soube assim que decifrei a pista: depósito. Diversão ao meio-dia.
Coquetéis. Porque a descrição não era de mim e Amy. Era de mim e Andie. O depósito era
apenas um de muitos lugares estranhos em que eu fizera sexo com Andie. Nós éramos limitados
em nossos pontos de encontro. Seu prédio movimentado era basicamente proibido. Motéis
apareciam nos cartões de crédito, e minha esposa não era nem crédula nem burra. (Andie tinha
um MasterCard, mas o extrato ia para a mãe dela. Dói admitir isso.) Então o depósito de
madeira, bem lá no fundo, atrás da casa da minha irmã, era muito seguro quando Go estava
trabalhando. Assim como a casa abandonada do meu pai. (Talvez, por ter me trazido a esse
lugar, você se sinta culpado / Devo admitir que pareceu um pouco difícil de aceitar / Mas não
é como se tivéssemos muita opção / Fazer desse o nosso lugar era uma decisão) e, algumas
vezes, minha sala na faculdade (Eu me imagino como uma estudante, / Com um professor tão
belo e brilhante / Minha mente se abre [para não falar em minhas coxas!]) e, uma vez, o carro
de Andie, estacionado em uma estrada de terra em Hannibal após tê-la levado para uma visita
certo dia, uma reencenação muito mais satisfatória de minha excursão banal com Amy (Você me
trouxe aqui para que eu ouvisse sua conversa maneira / Sobre suas aventuras de menino:
jeans baratos e viseira).
Cada pista estava escondida em um lugar onde eu traíra Amy. Ela usara a caça ao tesouro
para me levar em uma excursão por todas as minhas infidelidades. Tive um estremecimento de
náusea ao imaginar Amy seguindo um eu totalmente alheio em seu carro — à casa de meu pai, à
casa da Go, à maldita Hannibal —, observando-me trepar com aquela mocinha doce, os lábios de
minha esposa se retorcendo de desgosto e triunfo.
Porque ela sabia que iria me punir. Agora, em nossa última parada, Amy estava pronta para
que eu soubesse quão esperta ela era. Porque o depósito estava abarrotado com praticamente
todas as tralhas que eu jurara a Boney e Gilpin não ter comprado com os cartões de crédito dos
quais jurara não ter conhecimento algum. Os tacos de golfe absurdamente caros estavam ali, os
relógios e consoles de jogos, as roupas de marca, tudo ali, esperando, no terreno de minha irmã,
onde pareceria que eu os havia estocado até minha esposa estar morta e eu poder me divertir um
pouco.
* * *
Bati na porta da frente de Go, e quando ela atendeu, fumando um cigarro, eu disse que tinha
de mostrar algo a ela, dei meia-volta e a guiei, sem uma palavra, até o depósito.
— Olhe — disse, e a conduzi até a porta aberta.
— Essas... Essas são as coisas dos cartões de crédito?
A voz de Go ficou aguda e perturbada. Colocou a mão na boca e deu um passo para longe de
mim, e eu me dei conta de que por apenas um segundo ela achou que eu estivesse fazendo uma
confissão.
Nunca seríamos capazes de desfazer aquilo, aquele momento. Só por isso, já odiei minha
esposa.
— Amy está me dando um golpe, Go — expliquei. — Go, Amy comprou essas coisas. Ela
está me dando um golpe.
Ela acordou. Suas pálpebras abriram e fecharam uma, duas vezes, e ela sacudiu levemente a
cabeça, como se para se livrar da imagem: Nick como assassino de esposa.
— Amy está me incriminando pelo seu assassinato. Não é? Sua última pista me trouxe para
cá, e não, eu não sei nada sobre essas coisas. É a grandiosa declaração dela. Apresentando:
Nick Vai Para a Cadeia!
Uma enorme bolha de ar se formou no fundo da minha garganta — eu ia chorar ou rir. Eu ri.
— Quer dizer, não é isso? Puta merda, não é?
Então corra, ande logo, por favor/ E desta vez eu ensinarei uma coisinha ou outra ao meu
professor. As últimas palavras da primeira pista de Amy. Como não vi isso?
— Se ela está tentando incriminar você, por que deixar que você saiba?
Go ainda estava olhando fixamente, hipnotizada pelo conteúdo do seu depósito.
— Porque ela fez de forma perfeita. Sempre precisou dessa validação, do elogio, o tempo
todo. Quer que eu saiba que estou me fodendo. Não consegue resistir. Não seria divertido para
ela de outro modo.
— Não — disse Go, roendo uma unha. — Tem mais alguma coisa. Algo mais. Você tocou em
alguma coisa aqui?
— Não.
— Bom. Então a questão passa a ser...
— O que ela acha que farei quando descobrir isto, esta evidência incriminadora, no terreno
da minha irmã. Essa é a questão, porque o que quer que ela suponha que eu vá fazer, o que quer
que deseja que eu faça, tenho de fazer o oposto. Se ela acha que vou surtar e tentar me livrar de
todas essas coisas, garanto a você que ela tem um modo de eu ser flagrado fazendo isso.
— Bem, você não pode deixar isso aqui — disse Go. — Você definitivamente vai ser
flagrado assim. Tem certeza de que foi a última pista? Onde está seu presente?
— Ah. Merda. Não. Deve estar em algum lugar lá dentro.
— Não entre aí — ordenou Go.
— Tenho que entrar. Deus sabe o que mais ela tem guardado.
Entrei cuidadosamente no depósito úmido, mantendo as mãos coladas ao lado do corpo,
caminhando delicadamente na ponta dos pés para não deixar marcas. Logo depois de uma TV de
tela plana, o envelope azul de Amy no alto de uma enorme caixa de presente, embrulhada em seu
belo papel prateado. Levei o envelope e a caixa para fora, no ar quente. O objeto dentro do
pacote era pesado, uns bons quinze quilos, e partido em diversos pedaços que deslizaram com
um chacoalhar estranho quando coloquei a caixa no chão aos nossos pés. Go afastou-se
involuntariamente com um passo rápido. Abri o envelope.

Querido marido,
É agora que aproveito o momento para dizer que o conheço melhor do que você jamais poderia imaginar. Sei que algumas
vezes você acha que desliza por este mundo sozinho, sem ser visto, sem ser percebido. Mas não acredite nisso nem por um
segundo. Eu analisei você. Sei o que vai fazer antes que faça. Sei onde você esteve, e sei para onde está indo. Para este
aniversário de casamento, eu organizei uma viagem: siga seu amado rio, para cima, para cima, para cima! E você nem
sequer tem de se preocupar em tentar encontrar seu presente. Desta vez o presente virá até você! Então sente-se e relaxe,
porque você ACABOU.
— Ela que se foda. Abra a caixa.
Ajoelhei-me e destampei com a ponta dos dedos, como se esperando uma explosão. Silêncio.
Espiei dentro. No fundo da caixa havia duas marionetes de madeira, lado a lado. Pareciam
marido e mulher. O homem usava uma roupa multicolorida, tinha um sorriso raivoso e segurava
uma bengala ou uma vara. Tirei a figura do marido de dentro da caixa, os membros sacudindo de
forma animada, um dançarino se alongando. A esposa era mais bonita, mais delicada, e mais
rígida. Seu rosto parecia chocado, como se tivesse visto algo alarmante. Abaixo dela havia um
bebezinho que podia ser preso a ela por uma fita. As marionetes eram antigas, pesadas e grandes,
quase tão grandes quanto bonecos de ventríloquo. Peguei o homem, agarrei o grosso manete em
forma de bastão usado para movimentá-lo e seus braços e pernas se contorceram loucamente.
— Bizarro — disse Go. — Pare.
Abaixo deles havia um pedaço de papel-manteiga azul dobrado ao meio. A caligrafia
desenhada de Amy, cheia de triângulos e pontos. Dizia:
O começo de uma nova história maravilhosa, Nick! “É assim que se faz!”
Aproveite.
Espalhamos todas as pistas da caça ao tesouro de Amy na mesa da cozinha de nossa mãe,
junto com a caixa contendo as marionetes. Ficamos olhando para os objetos como se
estivéssemos montando um quebra-cabeça.
— Por que se importar com uma caça ao tesouro se ela estava planejando... o plano dela? —
perguntou Go.
O plano dela se tornara redução imediata para simular seu desaparecimento e incriminar
você de ter cometido um assassinato. Soava menos insano.
— Para me manter distraído, para começar. Fazer com que eu acreditasse que ela ainda me
amava. Estou perseguindo as pistinhas dela por toda a cristandade, acreditando que minha esposa
quer fazer as pazes, recomeçar nosso casamento...
O estado pensativo e sonhador em que seus bilhetes haviam me deixado me dava náusea.
Deixava-me envergonhado. Aquela vergonha até a medula, do tipo que se torna parte do seu
DNA, que muda você. Depois de todos aqueles anos, Amy ainda podia me manipular. Podia
escrever alguns bilhetes e me reconquistar. Eu era sua pequena marionete presa por fios.
Eu vou encontrar você, Amy. Palavras amorosas, intenções odiosas.
— Para que eu não parasse para pensar: Ei, parece mesmo que assassinei minha esposa, por
que será?
— E a polícia teria achado estranho, você teria achado estranho, se ela não fizesse a caça ao
tesouro, a tradição — raciocinou Go. — Pareceria que ela sabia que ia desaparecer.
— Mas isto me preocupa — disse eu, apontando para as marionetes. — São suficientemente
incomuns para que signifiquem algo. Quer dizer, se ela só queria me distrair por algum tempo, o
presente final poderia ter sido qualquer coisa de madeira.
Go correu um dedo pela roupa multicolorida do homem.
— Eles são claramente muito antigos. Vintage.
Ela virou as roupas de cabeça para baixo e revelou o manete do homem. A mulher tinha
apenas um buraco quadrado na cabeça.
— É para ser sexual? O homem tem este enorme manete de madeira, como um pau. E a
mulher não tem o dela. Tem apenas o buraco.
— É uma declaração bastante óbvia: homens têm pênis e mulheres têm vaginas?
Go enfiou um dedo no buraco da marionete mulher, revirou para ter certeza de que não havia
nada escondido.
— Então o que Amy está dizendo?
— Assim que eu os vi, pensei: ela comprou brinquedos de criança. Mãe, pai, bebê. Porque
estava grávida.
— Será que ela está grávida mesmo?
Uma sensação de desespero se lançou sobre mim. Ou na verdade o oposto. Não uma onda
chegando, passando por cima de mim, mas o puxão do mar voltando: uma sensação de algo se
afastando, e eu junto. Eu não podia mais esperar que minha esposa estivesse grávida, mas
também não pude me forçar a esperar que não estivesse.
Go pegou o boneco masculino, apertou o nariz, e então a lâmpada se acendeu.
— Você é uma marionete sendo manipulada.
Eu ri.
— Eu pensei essas mesmas palavras. Mas por que um homem e uma mulher? Amy claramente
não é uma marionete, ela é a titereira.
— E o que é: É assim que se faz? Que se faz o quê?
— Foder minha vida?
— Isso não é alguma expressão que Amy costumava usar? Ou alguma citação dos livros Amy,
ou...
Ela foi apressada até o computador e procurou É assim que se faz. Apareceu a letra de
“That’s the Way to Do It”, do Madness.
— Ah, eu me lembro deles. Um grupo de ska maneiro.
— Ska — repeti, me encaminhando para um riso delirante. — Ótimo.
A letra era sobre um faz-tudo que podia fazer muitos tipos de consertos domésticos —
incluindo elétrica e encanamentos — e preferia ser pago em dinheiro.
— Deus, como eu odeio os anos oitenta, porra — explodi. — Nenhuma letra fazia sentido.
— “O reflexo é filho único” — disse Go, concordando.
— “Ele está esperando no parque” — murmurei de volta automaticamente.
— Então, se é isso mesmo, o que significa? — perguntou Go se virando para mim, analisando
meu olhar. — É uma música sobre um faz-tudo. Alguém que poderia ter acesso à sua casa, para
consertar coisas. Ou para instalar coisas. Que seria pago em dinheiro, portanto não haveria
registros.
— Alguém que instalou câmeras de vídeo? — perguntei. — Amy saiu da cidade algumas
vezes durante o... o caso. Talvez tenha pensado em nos flagrar em vídeo.
Go olhou para mim com uma expressão interrogativa.
— Não, nunca, nunca em nossa casa — respondi à pergunta em seus olhos.
— Poderia ser uma porta secreta? — sugeriu Go. — Algum falso painel secreto que Amy
colocou e onde escondeu algo que irá... Não sei, inocentar você?
— Acho que é isso. Sim, Amy está usando uma canção do Madness para me dar uma pista
para minha própria liberdade, se eu pelo menos conseguir decifrar seus códigos maliciosos
mergulhados em ska.
Então Go também riu.
— Jesus Cristo, talvez sejamos nós os malucos. Quer dizer, nós somos? Isso não é totalmente
insano?
— Não é insano. Ela armou para mim. Não há outra forma de explicar o armazém de coisas
no seu quintal. E é a cara de Amy arrastar você para dentro disso, contaminar você um pouco
com minha sujeira. Não, isso é Amy. O presente, o maldito bilhete frívolo e malicioso que eu
deveria entender. Não, e tem de dizer respeito às marionetes. Tente a citação com a palavra
marionetes.
Desabei no sofá, meu corpo latejando, insensível. Go interpretou a secretária.
— Ai, meu Deus. Dã! São bonecos de Punch e Judy. Nick! Somos idiotas. Aquela citação é a
marca registrada de Punch. É assim que se faz!
— Certo, o velho espetáculo de marionetes; é muito violento, não é? — perguntei.
— Isso é uma loucura.
— Go, é violento, não é?
— É. Violento. Deus, ela é totalmente maluca.
— Ele bate nela, certo?
— Estou lendo... certo. Punch mata o bebê deles — diz, erguendo os olhos para mim. —
Depois, quando Judy o confronta, ele a espanca. Até a morte.
Minha garganta se enche de saliva.
— E cada vez que ele faz algo medonho e sai impune, ele fala: “É assim que se faz” — diz
ela, agarrando Punch e o colocando no colo, seus dedos agarrando as mãos de madeira como se
segurasse um bebê. — Ele é descontraído, mesmo enquanto assassina a esposa e o filho.
Olhei para as marionetes.
— Então ela está me dando a narrativa de minha incriminação.
— Eu não consigo nem assimilar isso. Psicopata desgraçada.
— Go?
— É, certo: você não queria que ela estivesse grávida, ficou com raiva e matou ela e o bebê
ainda na barriga.
— Parece meio que um anticlímax — concluí.
— O clímax é quando você aprende a lição que Punch nunca aprende, é apanhado e acusado
de assassinato.
— E há pena de morte no Missouri — refleti. — Jogo divertido, esse.

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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