quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Capítulo Dois


Nunca sofri de bloqueio de escritor durante os dez anos do meu casamento, e não o experimentei imediatamente após a morte de Johanna. Na verdade era tão pouco familiarizado com essa situação que ela se instalou muito antes de eu saber que algo fora do comum estava acontecendo. Acho que
foi porque, no fundo do coração, eu acreditava que tais condições
afetassem apenas tipos “literários” da classe que era discutida,
desconstruída e, às vezes, descartada no New York Review of Books.
Minha carreira de escritor e meu casamento cobriam quase
exatamente o mesmo período de tempo. Terminei o primeiro rascunho do
meu primeiro romance, Sendo dois, não muito depois de Jo e eu ficarmos
oficialmente noivos (coloquei um anel de opala no terceiro dedo de sua mão
esquerda, 110 pratas no Day’s Jewellers, e um pouco mais do que eu podia
pagar naquela época... mas Johanna pareceu totalmente comovida com ele),
e terminei meu último romance, De cima a baixo, cerca de um mês depois
que ela foi declarada morta. Este último, publicado no outono de 1995, era
sobre um assassino psicótico que gostava de lugares altos. Publiquei outros
romances desde então — um paradoxo que posso explicar, mas não acho
que haverá um romance de Michael Noonan em qualquer lista num futuro
previsível. Agora sei muito bem o que é um bloqueio de escritor. Sei mais sobre isso do que quis saber algum dia

Quando de forma hesitante mostrei a Jo o primeiro rascunho de Sendo dois,
ela o leu numa noite, enroscada em sua poltrona favorita, usando apenas
calcinha, uma camiseta estampada com o urso-negro do Maine, e tomando
um copo atrás do outro de chá gelado. Fui para a garagem (estávamos
alugando uma casa em Bangor com outro casal numa situação financeira
tão instável quanto a nossa... e, não, Jo e eu não estávamos totalmente
casados ainda, embora, pelo que sei, aquele anel de opala jamais deixou seu
dedo) e trabalhei indolentemente, sem objetivo, me sentindo como um
sujeito num cartum da New Yorker — um daqueles sobre caras engraçados
na sala de espera de um parto. Segundo me lembro, estraguei um kit de
casa de passarinho tão-simples-que-uma-criança-pode-fazer e quase cortei
o indicador da mão esquerda. A cada vinte minutos mais ou menos eu
entrava novamente e espiava Jo. Se ela notava, não deu nenhum sinal.
Considerei aquilo auspicioso.
Estava sentado na varanda de trás, fitando as estrelas e fumando,
quando Jo saiu, sentou-se a meu lado e pôs a mão na minha nuca.
— E aí? — perguntei.
— É bom — disse ela. — Agora, por que você não entra e transa
comigo? — E antes que eu pudesse responder, a calcinha que ela usava caiu
no meu colo num pequeno farfalhar de náilon.

Mais tarde, deitado na cama e comendo laranjas (um vício que
abandonamos depois), eu lhe perguntei:
— É bom o bastante para ser publicado?
— Bem — disse ela —, não conheço nada do glamouroso mundo das
editoras, mas tenho lido por prazer a minha vida inteira. George, o Curioso
foi o meu primeiro amor, se você quer saber...
— Não quero, não.
Ela se inclinou e enfiou um caroço de laranja na minha boca, o seio
quente e provocante no meu braço.
— ... e li isso com grande prazer. Minha previsão é que sua carreira
de repórter para o Derry News jamais sobreviverá ao estágio de foca. Acho
que vou ser mulher de romancista.
Suas palavras me eletrizaram — na verdade, deixaram meus braços
arrepiados. Não, Jo não conhecia nada do glamouroso mundo das editoras,
mas, se ela acreditava, eu acreditava... e a crença revelou-se o caminho
certo. Consegui um agente por intermédio do meu velho professor de
criação literária (que leu meu romance e desgraçou-o com um fraco elogio,
vendo suas qualidades comerciais como uma espécie de heresia, eu acho),
e o agente vendeu Sendo dois para a Random House, a primeira editora a
vê-lo.
Jo estava certa também sobre minha carreira como repórter. Passei
quatro meses cobrindo exposições de flores e corridas de automóvel por
cerca de cem dólares por semana antes que meu primeiro cheque da
Random House chegasse — 27 mil dólares, depois de deduzida a comissão
do agente. Eu não tinha ficado na redação tempo suficiente nem para
chegar a conseguir o primeiro aumento de salário, mas mesmo assim me
deram uma festa de despedida. Foi no Jack’s Pub, lembro agora. Havia uma
bandeira pendurada sobre as mesas na sala de trás com a inscrição BOA
SORTE, MIKE — CONTINUE ESCREVENDO! Mais tarde, quando chegamos
em casa, Johanna disse que, se inveja fosse ácido, não teria sobrado nada
de mim, a não ser a fivela do meu cinto e três dentes.
Depois, na cama e com as luzes apagadas — a última laranja comida
e o último cigarro dividido —, eu disse:
— Ninguém vai confundi-lo com Look Homeward, Angel, vai? Quero
dizer, meu livro. — Ela sabia disso, do mesmo modo que sabia que eu tinha
ficado bastante deprimido com a reação a Sendo dois de meu velho
professor de criação literária.
— Você não vai vir agora com essa besteira de artista frustrado,
vai? — perguntou, erguendo-se num dos cotovelos. — Porque, se vai,
gostaria que me dissesse logo, para que eu pegue um daqueles kits de
divórcio faça-você-mesmo amanhã bem cedo.
Achei divertido, mas fiquei também um pouco magoado.
— Você viu aquele primeiro material de divulgação da Random
House? — Eu sabia que ela tinha visto. — Estão prestes a me chamar de V.
C. Andrews com pau, pelo amor de Deus.
— Bem — disse ela, agarrando levemente o objeto em questão. —
Você tem um pau. Quanto ao que estão chamando você... Mike, quando eu
estava na terceira série, Patty Banning costumava me chamar de tiradora
de meleca. E eu não era.
— A percepção é tudo.
— Besteira. — Ela ainda segurava meu pau, e então lhe deu um
tremendo apertão que doeu um pouco e ao mesmo tempo foi
absolutamente maravilhoso. Aquele velho pinto doido nunca tinha medo do
que recebia naqueles dias, contanto que fosse muito. — Felicidade é tudo.
Você fica feliz quando escreve, Mike?
— Claro. — Era o que ela sabia, de qualquer modo.
— E quando você escreve sua consciência te perturba?
— Quando escrevo, não há nada que eu prefira fazer, a não ser isso
— disse, rolando para cima dela.
— Minha nossa — falou, naquela vozinha afetada que sempre me
deixava maluco. — Há um pênis entre nós.
E enquanto fazíamos amor, percebi uma ou duas coisas
maravilhosas: que Jo tinha sido sincera ao dizer que realmente gostou do
meu livro (que droga, percebi que gostou simplesmente pelo modo como se
sentou na poltrona lendo-o, com uma mecha de cabelo caindo na testa e as
pernas nuas encaixadas sob o corpo) e que eu não precisava me
envergonhar por tê-lo escrito... não a seus olhos, pelo menos. E outra coisa
maravilhosa: sua percepção, unida à minha para transformar a visão
binocular em coisa alguma, a não ser no que é permitido pelo casamento,
era a única percepção que importava.
Graças a Deus ela era fã de Maugham.
Fui V. C. Andrews com pau por dez anos, 14 se você acrescentar os anos
pós-Johanna. Os primeiros cinco foram com a Random, depois meu agente
conseguiu uma enorme oferta da Putnam e troquei de editora.
Você já viu meu nome num monte de listas de best-sellers... isto é,
se seu jornal de domingo traz uma lista que vai até o 15º lugar, em vez de
apenas os dez mais vendidos. Nunca fui um Clancy, um Ludlum ou um
Grisham, mas movimentei um bom número de capas duras (V. C. Andrews
nunca o fez, me contou certa vez meu agente, Harold Oblowski; a sra.
Andrews era muito mais um fenômeno das edições populares) e certa vez
cheguei ao número cinco na lista do Times. Foi com meu segundo livro, O
homem da camisa vermelha. Ironicamente, um dos livros que me impediu
de ir mais alto foi Máquina de aço, de Thad Beaumont (escrevendo como
George Stark). Os Beaumont tinham uma casa de verão em Castle Rock
naqueles dias, a menos de 80 quilômetros ao sul de nossa casa em Dark
Score Lake. Thad já morreu. Suicídio. Não sei se teve algo a ver com
bloqueio de escritor.
Fiquei um pouco de fora do círculo mágico dos megabest-sellers,
mas nunca me importei com isso. Tínhamos duas casas quando cheguei
aos 31 anos: a adorável e velha residência eduardiana em Derry e, à beira
do lago, no Maine ocidental, uma casa feita de troncos e quase grande o
suficiente para ser considerada uma casa de campo, a Sara Laughs, assim
chamada pelos habitantes locais por quase um século. E os dois lugares
estavam inteiramente pagos e desimpedidos, numa época da vida em que
muitos casais se consideram com sorte apenas por terem conseguido a
aprovação de uma hipoteca para a compra da primeira casa. Éramos
saudáveis, fiéis e com nossa capacidade de diversão ainda funcionando
perfeitamente. Eu não era Thomas Wolfe (nem mesmo Tom Wolfe ou
Tobias Wolff), mas estava sendo pago para fazer o que gostava, e não há
na Terra melhor trabalho do que esse; é como ter uma licença para roubar.
Eu era o que o meio da lista costumava ser nos anos 1940: ignorado
pelos críticos, gênero-orientado (em meu caso era a Adorável Moça Sozinha
que Conhece Estranho Fascinante), mas bem equilibrado e com o tipo de
aceitação mesquinha concedida a puteiros sancionados pelo Estado em
Nevada, a impressão parecendo ser de que os instintos mais baixos
necessitavam de alguma vazão e que alguém tinha que fazer Aquele Tipo
de Coisa. Eu fazia Aquele Tipo de Coisa de maneira entusiasmada (e às
vezes com a conivência entusiasmada de Jo se eu esbarrasse numa
encruzilhada da trama especialmente problemática), e em algum momento
durante a época da eleição de George Bush nosso contador nos disse que
estávamos milionários.
Não éramos ricos o bastante para ter um jato (Grisham) ou um time
de futebol profissional (Clancy), mas pelos padrões de Derry, no Maine,
rolávamos em muita grana. Fizemos amor milhares de vezes, vimos
milhares de filmes, lemos milhares de livros (Jo estocando frequentemente
os dela debaixo de seu lado da cama no final do dia). E talvez a maior
bênção tenha sido nunca termos sabido como o tempo era curto.
Mais de uma vez me perguntei se quebrar o ritual é o que levaria o escritor
ao bloqueio. Durante o dia, podia descartar aquilo como um disparate
sobrenatural, mas à noite tal coisa era mais difícil. À noite nossos
pensamentos têm um modo desagradável de escapar das coleiras e correr
livres. E se você tem passado a maior parte da vida adulta tecendo ficções,
estou certo de que tais coleiras são mais frouxas ainda, e os cães, menos
ansiosos para usá-las. Foi Shaw ou Oscar Wilde quem disse que o escritor
é um homem que ensinou sua mente a se comportar mal?
É realmente tão artificial pensar que quebrar o ritual pudesse ter
desempenhado um papel em meu silêncio súbito e inesperado (inesperado
para mim, pelo menos)? Quando se ganha o pão de cada dia na terra do faz
de conta, a linha entre o que é e o que parece é muito mais tênue. Pintores
às vezes se recusam a pintar sem usar determinado chapéu, e os jogadores
de beisebol que estão jogando bem não trocam de meias.
O ritual começou com o segundo livro, o único com o qual fiquei
nervoso, segundo me lembro — suponho que tivesse absorvido uma boa
dose daquela história da segunda vez: a ideia de que um sucesso pudesse
ser apenas uma casualidade. Lembro-me de um palestrante sobre Literatura
Americana certa vez dizer que, dos escritores americanos modernos, só
Harper Lee encontrou um modo infalível de evitar a depressão do segundo
livro.
Quando cheguei ao fim de O homem da camisa vermelha, parei
pouco antes de terminá-lo. Na época, a casa eduardiana da rua Benton, em
Derry, ainda estava a dois anos no futuro, mas havíamos comprado Sara
Laughs, a casa em Dark Score Lake (nem perto de estar mobiliada como
ficou depois, e o estúdio de Jo também ainda não tinha sido construído,
mas era simpática), e lá estávamos nós.
Afastei-me da máquina de escrever — ainda estava preso à velha
Selectric da IBM — e entrei na cozinha. Meados de setembro, a maior parte
do pessoal do verão já tinha partido, e os gritos dos mergulhões-do-norte no
lago pareciam inexprimivelmente encantadores. O sol estava se pondo e o
próprio lago tinha se tornado uma placa de fogo imóvel e sem calor. Esta é
uma das lembranças mais vivas que tenho, tão clara que às vezes sinto
que poderia penetrar nela e revivê-la por completo. O que é que eu faria de
modo diferente, se é que faria algo diferente? Às vezes penso nisso.
No início daquela noite, coloquei uma garrafa de Taittinger e duas
taças na geladeira. Então as tirei, as coloquei numa bandeja de estanho
geralmente usada para transportar jarros de chá gelado ou refresco KoolAid
da cozinha até o deck e as levei comigo para a sala de estar.
Johanna estava mergulhada em sua espreguiçadeira surrada lendo um
livro (não era Maugham naquela noite, e sim William Denbrough, um de
seus contemporâneos favoritos).
— Uau — disse ela, erguendo os olhos e marcando a página do livro.
— Champanhe... qual é a comemoração? — Como se... como se ela não
soubesse.
— Acabei — eu disse. — Mon livre est tout fini.
— Bom — disse ela sorrindo e pegando uma das taças enquanto eu
me inclinava em sua direção com a bandeja —, então isso está bem, não é?
Percebo agora que a essência do ritual — sua parte viva e poderosa,
como a verdadeira e única palavra mágica num monte de verborragia — era
aquela frase. Quase sempre tomávamos champanhe, e ela quase sempre
entrava no escritório comigo depois para a outra coisa, mas nem sempre.
Uma vez, uns cinco anos antes de sua morte, Jo estava na Irlanda,
passando férias com uma amiga, quando terminei um livro. Tomei o
champanhe sozinho daquela vez, e escrevi a última linha eu mesmo
também (já usava então um Macintosh que fazia um bilhão de coisas
diferentes, mas que eu só utilizava para uma), e não perdi um minuto
sequer de sono a respeito do assunto. Mas liguei para Jo no hotel onde ela e
a amiga Bryn estavam hospedadas; contei-lhe que havia terminado o
romance e a ouvi pronunciar as palavras que eu esperava — palavras que
escorregaram pela linha telefônica irlandesa, viajaram para um transmissor
de ondas curtas, ergueram-se como uma prece até algum satélite e então
desceram ao meu ouvido: Bom, então isso está bem, não é?
Como eu disse, o hábito começou depois do segundo livro. Quando já
tínhamos tomado cada qual uma taça de champanhe e mais outra, levei-a
até o escritório, onde uma única folha de papel espetava-se para fora de
minha Selectric verde-floresta. No lago, um último mergulhão-do-norte
gritou sombrio, um grito que sempre me soa como algo enferrujado
virando-se lentamente no vento.
— Pensei que tivesse dito que tinha acabado — disse ela.
— Tudo a não ser a última linha. O livro é dedicado a você, e quero
que escreva o último pedaço.
Ela não riu, protestou ou se tornou efusiva, simplesmente me olhou
para ver se eu pretendia aquilo mesmo. Assenti com a cabeça, e ela se
sentou em minha cadeira. Tinha nadado antes, e seu cabelo puxado para
trás ziguezagueava por uma coisa elástica branca. Estava molhado, e de um
vermelho dois tons mais escuro que o habitual. Toquei nele. Era como tocar
em seda úmida.
— Parágrafo? — perguntou, tão séria quanto uma estenógrafa ao
tomar o ditado do chefão.
— Não — falei —, continua na mesma linha. — E então pronunciei a
frase que vinha guardando na cabeça desde que levantei para servir o
champanhe. — “Ele fez a corrente deslizar por cima da cabeça dela e então
os dois desceram os degraus para onde o carro estava estacionado.”
Ela a datilografou, depois olhou para mim na expectativa.
— É isso — eu disse. — Acho que pode escrever Fim.
Jo apertou o botão RETORNO duas vezes, centrou o carro e
datilografou Fim sob a última linha do texto, o cilindro de tipos Courier da
IBM (meu favorito) despejando as letras em sua dança obediente.
— Que corrente é essa que ele faz deslizar por cima da cabeça
dela? — perguntou.
— Vai ter que ler o livro para descobrir.
Sentada na cadeira da minha mesa e comigo em pé a seu lado, Jo
estava numa posição perfeita para colocar o rosto onde colocou. Quando
falou, seus lábios moveram-se contra minha parte mais sensível. Havia um short de algodão entre nós, e era tudo.
— Eu terr meios de fazerr senhorr falarr — disse ela.
— Aposto que sim — eu disse.

Pelo menos fiz uma tentativa de ritual no dia em que terminei De cima a
baixo. Pareceu vazio, como se a fórmula da poção mágica tivesse sido
perdida, mas eu já esperava. Não o fiz por superstição, e sim por respeito e
amor. Um tipo de memorial, se você quiser. Ou, se preferir, a verdadeira
cerimônia do funeral de Johanna, realizando-se finalmente um mês depois
de ela estar debaixo da terra.
Foi na segunda quinzena de setembro e ainda estava quente — o
final de verão mais quente de que me lembro. Durante todo o tempo
daquele triste empurrão final no livro, continuava pensando em como sentia
falta dela... mas isso nunca diminuiu meu ritmo. E outra coisa: apesar de
estar quente em Derry, tão quente que eu habitualmente trabalhava só de
cueca samba-canção, nunca pensei, nem uma vez sequer, em ir para a
nossa casa no lago. Era como se Sara Laughs tivesse sido inteiramente
varrida da minha mente. Talvez porque, na época em que terminei De cima
a baixo, eu estivesse finalmente assimilando aquela verdade. Dessa vez, Jo
não estava apenas na Irlanda.
Meu escritório junto ao lago é minúsculo, mas tem vista. O
escritório em Derry é comprido, forrado de livros e sem janelas. Nesta
noite em particular, os ventiladores de teto — há três deles — estavam
ligados e movimentavam o ar espesso como a uma sopa. Entrei vestido de
short, camiseta e sandálias de dedo, carregando uma bandeja da Coca-Cola
com a garrafa de champanhe e as duas taças geladas. Na outra
extremidade daquela sala de vagão ferroviário, sob um beiral tão inclinado
que eu tinha quase que me agachar para não bater com a cabeça quando
levantava (durante anos também tive que aguentar os protestos de Jo por
ter escolhido certamente o pior lugar da sala como local de trabalho), a tela
de meu Macintosh brilhava com palavras.
Pensei que provavelmente estava convidando outra tempestade de
dor — talvez a pior de todas —, mas, seja como for, fui em frente — e
nossa mente sempre nos causa surpresa, não é? Não houve nenhum choro
nem grito de dor naquela noite; acho que tudo isso estava fora de meu
sistema. No lugar, havia um profundo e miserável senso de perda — a
poltrona vazia onde Jo costumava sentar para ler, a mesa vazia onde
sempre deixava o copo perto demais da borda.
Servi uma taça de champanhe, deixei a espuma assentar e então a
ergui.
— Acabei, Jo — eu disse, enquanto sentava sob as pás giratórias dos
ventiladores. — Bom, então isso está bem, não é?
Não houve resposta. À luz de tudo que ocorreu depois, acho que vale
a pena repetir — não houve nenhuma resposta. Não senti — como vim a
sentir mais tarde — que não estava sozinho numa sala que parecia vazia.
Tomei o champanhe, coloquei a taça novamente na bandeja da CocaCola,
depois enchi a outra. Levei-a até o Mac e me sentei onde Johanna
teria se sentado, se não fosse pelo amoroso Deus favorito de todos.
Nenhum choro ou gemido desta vez, mas meus olhos formigavam de lágrimas. As palavras na tela eram estas:

hoje não foi tão ruim, pensou ela. Atravessou o
gramado até seu carro e riu quando viu o quadrado
de papel branco sob o limpador de para-brisa. Cam
Delancey, que se recusava a ser desencorajado ou
a aceitar não como resposta, a convidava para
outra de suas festas de degustação de vinho de
quinta-feira à noite. Ela pegou o papel e começou
a rasgá-lo; então mudou de ideia e em vez disso
enfiou-o no bolso do jeans

— Sem parágrafo — eu disse —, continua na mesma linha. — Então
digitei a frase que vinha guardando na cabeça desde que me levantei para
pegar o champanhe.

Havia um mundo inteiro lá fora; a degustação de
vinho de Cam Delancey era um lugar tão bom para
começar quanto qualquer outro.

Parei, olhando para o pequeno cursor brilhante. As lágrimas ainda formigavam nos cantos de meus olhos, mas repito que não sentia nenhuma
corrente de ar frio nos tornozelos nem dedos espectrais na nuca. Apertei
RETORNO duas vezes. Cliquei CENTRO. Digitei Fim abaixo da última linha
do texto e então fiz um brinde para a tela com o que deveria ter sido a
taça de champanhe de Jo.
— Isso é para você, meu bem — eu disse. — Gostaria que estivesse
aqui. Sinto uma falta descomunal de você. — Minha voz oscilou um pouco
com aquela última palavra, mas não se interrompeu. Tomei a Taittinger,
salvei minha linha final do texto, depois copiei todo o trabalho em
disquetes. E a não ser por bilhetes, listas de compras de mercado e
cheques, aquele foi o último texto que escrevi por quatro anos.



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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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