quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

LIBBY DAY TEMPO PRESENTE


Cinco noites depois de beber uma cerveja com Lyle, desci de carro o monte onde
ficava a minha casa e continuei a descer até chegar à depressão de West Bottoms, em
Kansas City. O bairro fora próspero no tempo em que os currais estavam ativos e depois
passara muitas décadas a fazer o percurso inverso, no sentido da decadência. Agora, todo
ele era feito de edifícios de tijolo altos e silenciosos, exibindo nomes de empresas que já
não existiam: Raftery Cold Storage, London Beef, Dannhauser Cattle Trust. Umas quantas
estruturas foram transformadas em casas assombradas oficiais, que se iluminavam para
o Dia das Bruxas: imagens projetadas com cinco andares de altura, castelos de vampiros
e adolescentes bêbados a esconder cervejas dentro dos casacos de cabedal.
No início de março, a zona estava simplesmente ao abandono. Enquanto conduzia pelas
ruas sossegadas, avistava de vez em quando alguém a entrar ou a sair de um prédio, mas
não fazia ideia porquê. Junto do rio Missouri, a área passava de semivazia a um ominoso
desterro, uma assumida ruína.
Senti uma pontada de desconforto, quando estacionei à frente de um edifício de quatro
andares chamado Tallman Corporation. Foi um daqueles momentos em que desejei ter
mais amigos. Ou amigos, ponto final. Devia ter levado alguém comigo. Ou, então, devia ter
alguém à espera de receber notícias minhas. Não sendo esse o caso, deixei um bilhete nas
escadas no interior da minha casa a explicar onde estava, juntamente com a carta de Lyle.
Se eu desaparecesse, a polícia saberia por onde começar as buscas. Claro está que, se
tivesse uma amiga, talvez ela me dissesse: Nem penses que te vou deixar fazer uma
coisa dessas, querida, como as mulheres costumam dizer, numa voz protetora.
Ou talvez não. Os crimes tinham-me deixado para sempre «avariada» no que tocava a
este tipo de decisão subjetiva. Partia do princípio de que tudo de mau no mundo podia
acontecer, porque tudo o que havia de mau no mundo já tinha acontecido. Mas, verdade
seja dita, não eram ínfimas as hipóteses de me acontecer alguma coisa de mal depois de
tudo o que já passara na vida? Não estava eu, Libby Day, a salvo? Uma estatística
brilhante e indestrutível. Como nunca me consigo decidir, oscilo sempre entre um drástico
excesso de cautela (durmo sempre com as luzes acesas e a velha Colt Peacemaker da
minha mãe na mesinha de cabeceira) e uma imprudência absurda (aventurar-me a ir
sozinha a um Kill Club num edifício abandonado).
Levava umas botas de salto alto, para parecer uns centímetros mais alta, a direita
muito mais larga do que a outra por causa do meu pé mutilado. Tinha vontade de estalar
todos os ossos do corpo para me descontrair. Estava tensa. Irritada, a ranger os dentes.
Ninguém devia precisar de dinheiro com tanto desespero. Tentara encarar o que estava a
fazer como se fosse algo de inofensivo e, em breves flashes ao longo do dia anterior,
transformara-me a mim própria numa coisa nobre. Aquelas pessoas estavam interessadas
na minha família, eu orgulhava-me da minha família e ia permitir que aqueles
desconhecidos tivessem acesso a pormenores que, de outra maneira, lhes escapariam. E
se queriam pagar-me por isso, eu aceitava, não estava acima dessas coisas.
A verdade, porém, é que eu não me orgulhava da minha família. Nunca ninguém gostara
dos Day. O meu pai, Runner Day, era louco, bêbado e violento de uma maneira que nem
sequer impressionava: era um homem pequeno com punhos furtivos. A minha mãe tinha
quatro filhos dos quais não conseguia tomar conta como devia. Miúdos pobres criados
numa quinta, malcheirosos e manipuladores, que iam sempre à escola em situação de
carência: sem tomarem o pequeno-almoço, com as camisas rasgadas, ranho no nariz e
infeções na garganta. Eu e as minhas duas irmãs tínhamos sido a origem de pelo menos
quatro surtos de piolhos na nossa curta experiência escolar. Os Day sujos.
E ali estava eu, passados vinte e tantos anos, ainda a apresentar-me em lugares
desconhecidos em situação de carência. De dinheiro, para ser mais específica. No bolso de
trás dos jeans, levava um bilhete que Michelle me tinha escrito um mês antes dos crimes.
Ela arrancara a folha de um bloco de espiral, cortara cuidadosamente a margem e depois
dobrara-a meticulosamente em forma de seta. Falava sobre as coisas corriqueiras que lhe
preenchiam a mente no quarto ano: um rapaz da turma, a professora burra, uns jeans de
marca feios que uma miúda mimada qualquer recebera nos anos. Era entediante, banal. Eu
tinha caixas cheias daquelas coisas, que arrastava de casa em casa e que nunca tinha
aberto até agora. Ia pedir duzentos dólares pelo bilhete. Senti uma onda de alegria, breve e
culpada, quando pensei em todas as outras porcarias que poderia vender, bilhetes e
fotografias e tralha que nunca tive coragem de deitar fora. Saí do carro e inspirei fundo,
estalei o pescoço.
Estava uma noite fria, com retalhos balsâmicos de primavera aqui e ali. Uma enorme
lua amarela estava pendurada no céu como uma lanterna chinesa.
Subi as escadas de mármore sujo, ouvindo folhas secas a estalarem debaixo das
minhas botas, um som pouco salutar a ossos velhos. As portas eram de metal grosso e
pesado. Bati, esperei, bati mais três vezes, exposta ao luar como um artista de variedades
embaraçado. Estava prestes a ligar a Lyle do telemóvel quando a porta se abriu e um tipo
alto, de rosto comprido, me olhou de alto a baixo.
— Sim?
— Hum, o Lyle Wirth está?
— Porque é que o Lyle Wirth havia de estar? — disse ele, sem um sorriso. A lixar-me
o juízo só porque podia.
— Oh, vá à merda — despejei, e virei costas, sentindo-me uma idiota. Ao fim de três
passos, já o tipo me estava a chamar.
— Ei, espere, é escusado passar-se.
Mas eu já nasci passada, deformada. Conseguia imaginar-me a sair do útero toda torta
e errada. Nunca é preciso muito para eu perder a paciência. Posso não ter a frase vai à
merda na ponta da língua, mas anda sempre lá perto. A meio da língua.
Parei, encavalitada em dois degraus, em sentido descendente.
— Ouça, é óbvio que eu conheço o Lyle Wirth — disse o tipo. — Faz parte da lista de
convidados?
— Não sei. O meu nome é Libby Day.
Ele ficou de queixo caído, depois fechou a boca com um som que mais parecia uma
cuspidela e lançou-me o mesmo olhar avaliador que Lyle.
— Pintou o cabelo de louro.
Fitei-o de sobrancelhas arqueadas.
— Entre, eu levo-a — disse ele, abrindo a porta de par em par. — Entre, eu não mordo.
São poucas as frases que me irritam tanto como eu não mordo. A única deixa que me
irrita ainda mais depressa é quando um bêbado qualquer, gordo e corado, num bar me vê a
tentar passar e diz rispidamente: Sorri, a vida não pode ser assim tão má quanto isso! Por
acaso até pode, ó estúpido.
Voltei a subir as escadas, revirando os olhos imbecilmente para o tipo da entrada, a
andar tão devagar que ele teve de se encostar à porta para a manter aberta. Cabrão.
Entrei para um átrio tipo caverna, com candeeiros partidos nas paredes, feitos de latão
e em forma de hastes de trigo. A sala tinha mais de doze metros de altura. O teto exibira
em tempos um mural: imagens vagas e esboroadas de rapazes e raparigas do campo a
sachar e a cavar. Uma rapariga, agora sem rosto, parecia ter uma corda de saltar nas
mãos. Ou seria uma cobra? Todo o canto oeste do teto abatera: no sítio onde o carvalho
do mural devia ter explodido em folhas verdes de verão, havia, ao invés, um retalho de céu
azul noturno. Via o brilho da lua, mas não a lua em si. O átrio estava às escuras, sem
eletricidade, mas consegui distinguir pilhas de lixo varridas para os cantos da sala. Os
participantes da festa tinham afugentado as pessoas ali instaladas ilegalmente e, depois,
passado uma vassoura pelo chão, tentando dar um aspeto mais apresentável ao espaço.
Apesar disso, ainda cheirava a urina. Um preservativo velhíssimo estava colado a uma das
paredes como esparguete.
— Vocês não podiam ter arranjado um, sei lá, um salão de festas? — murmurei. O
chão de mármore zumbia debaixo dos meus pés. Era óbvio que tudo se passava no andar
de baixo.
— Não somos propriamente um grupo de boas-vindas — respondeu o tipo. Tinha um
rosto jovem e gordo, pintalgado de sinais. Usava um minúsculo brinco turquesa que
sempre associei aos tipos das Masmorras & Dragões. Homens que têm furões em casa e
acham que truques de magia são fixes. — Além disso, este edifício tem uma certa...
atmosfera. Um dos Tallman rebentou com os miolos aqui, em 1953.
— Lindo.
Ficámos parados a olhar um para o outro, o rosto dele mudando de forma na
penumbra. Não estava a ver nenhum acesso óbvio para o andar de baixo. Os elevadores à
esquerda estavam claramente fora de serviço, com os seus números manchados a
indicarem que se encontravam parados entre andares. Imaginei um exército de fantasmas
com fatos de executivo pacientemente à espera que voltassem a funcionar.
— Então... vamos?
— Ah. Sim. Ouça, eu só queria dizer... Os meus pêsames. De certeza que mesmo
passado este tempo todo... Não dá para imaginar. Parece uma coisa saída de um livro de
Edgar Allan Poe. O que aconteceu.
— Tento não pensar muito nisso — digo, a minha resposta habitual.
O tipo riu-se.
— Bem, então veio ao sítio errado.
Dobrámos uma esquina e descemos um corredor de antigos escritórios. Pisei vidros
partidos, espreitando para dentro de cada gabinete à medida que íamos andando: vazio,
vazio, um carrinho das compras, uma cuidadosa pilha de fezes, os restos de uma antiga
fogueira e, depois, um sem-abrigo que disse Olá! alegremente, acompanhado por uma
cerveja.
— O nome dele é Jimmy — explicou o rapaz. — Pareceu-nos pacífico, por isso
deixámo-lo ficar.
Que simpáticos, pensei, mas limitei-me a fazer que sim com a cabeça. Chegámos a
uma pesada porta corta-fogo, ele abriu-a e senti-me atacada pelo barulho. Da cave, vinham
sons de música de órgão e heavy metal a competirem entre si e o zumbido forte de
pessoas a tentarem conversar aos gritos.
— Faça favor — disse ele. Não me mexi. Não gosto de ter gente atrás de mim. — Ou
eu posso... hum, por aqui.
Pensei em ir-me embora naquele preciso instante, mas a maldade invadiu-me quando
imaginei aquele tipo, aquela merda de malabarista de Festival Renascentista a descer e a
dizer aos amigos: Ela passou-se e fugiu! E eles todos a rirem-se e a sentirem-se durões.
E ele a acrescentar: Ela é muito diferente daquilo que eu imaginava. E a erguer a mão à
altura de um minorca para mostrar o quão pouco tempo fiquei dentro do edifício.
Vaiàmerdavaiàmerdavaiàmerda, entoei, e segui-o.
Descemos um piso até chegarmos à porta de uma cave coberta de panfletos: Cabina
22: Tralha de Lizzie Borden! Objetos de colecionador para vender ou trocar! Cabina 28:
Karla Brown — Discussão sobre marcas de dentadas. Cabina 14: Dramatização —
Interroguem Casey Anthony! 15: Os terríveis truques do Tom — Servimos Ponche
Jonestown e Doce Fanny Adams!
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Depois, vi um panfleto azul granuloso que exibia uma fotocópia de uma fotografia
minha a um canto: Isto é que foi um mau Dia para os Day! O Massacre da Quinta de
Kinnakee Kansas — Dissecação do Processo e uma CONVIDADA muito, muito especial!!!
Pensei uma vez mais em me ir embora, mas a porta abriu-se de rompante e fui
sugada para o interior de uma cave húmida e sem janelas, à cunha, com cerca de
duzentas pessoas, todas encostadas a gritarem ao ouvido umas das outras, com as mãos
apoiadas nos ombros. Uma vez, na escola, mostraram-nos um filme de uma praga de
gafanhotos que atingiu o Midwest e foi isso que me veio à mente: aqueles olhos todos
arregalados a observarem-me, bocas a mastigar, braços e cotovelos de esguelha. A sala
estava montada como uma feira onde as pessoas vendem e trocam artigos, dividida em
filas de cabinas feitas com pedaços de vedações baratas de arame. Cada cabina
correspondia a um homicídio diferente. Contei umas quarenta, à primeira vista. Um
gerador mal conseguia fornecer energia a uma fiada de lâmpadas, que estavam penduradas
em fios à volta da sala, balouçando a ritmos diferentes, iluminando rostos em ângulos
sinistros, uma festa de máscaras fúnebres.
Da outra ponta da sala, Lyle avistou-me e começou a apontar por entre a multidão,
abrindo caminho com um ombro e avançando de lado. Cumprimentando pessoas a cada
passo, contente. Pelos vistos, era um tipo importante no meio daquela multidão; toda a
gente queria tocar-lhe, dizer-lhe qualquer coisa. Baixou-se para deixar um tipo sussurrarlhe
ao ouvido e, quando se endireitou, bateu com a cabeça numa lanterna e todos se riram
à sua volta, com os rostos a brilharem e a mergulharem na sombra ao sabor da luz que
girava como a de um carro-patrulha. Rostos masculinos. Rostos de homens. Eram poucas
as mulheres na sala inteira: consegui ver apenas quatro, todas elas de óculos, com ar
caseiro. Os homens também não eram atraentes. Eram tipos de bigode ou barba, com ar
de professor; banais, pais suburbanos; e um bom número de rapazes de vinte e tantos
anos, com cortes de cabelo mal-amanhados e óculos de totós de matemática, homens do
mesmo estilo de Lyle e do tipo que me conduziu até à cave. Vulgares, mas emanando
arrogância intelectual. Chamemos-lhe aftershave de professor universitário.
Lyle chegou até mim, com os homens atrás dele a sorrir-lhe de olhos postos nas suas
costas e a inspecionar-me como se eu fosse a nova namorada. Ele abanou a cabeça.
— Desculpe, Libby. O Kenny tinha ficado de me ligar para o telemóvel quando a Libby
cá chegasse, para eu próprio a ir buscar à entrada. — Olhou para Kenny por cima da
minha cabeça e Kenny encolheu os ombros e afastou-se.
Lyle conduziu-me para o meio da multidão, usando um dedo assertivo na minha
omoplata. Algumas pessoas estavam disfarçadas. Um homem com um colete preto e um
chapéu alto preto passou por mim, empurrando-me e oferecendo-me rebuçados com uma
gargalhada. Lyle revirou os olhos e disse:
— Um tarado pelo Frederick Baker. Andamos há anos a tentar acabar com os tipos que
vêm para cá vestidos de personagens, mas... são demasiados.
— Não entendo — digo, com medo de estar à beira de me passar. Cotovelos e ombros
davam-me safanões, sempre que eu avançava uns passos, e empurravam-me para trás. —
A sério, não estou a entender nada desta merda.
Lyle suspirou com impaciência e olhou para o relógio.
— Ouça, a nossa sessão só começa à meia-noite. Quer que eu dê uma volta pela sala
e lhe explique como se passam as coisas?
— Quero o meu dinheiro.
Ele mordeu o lábio inferior, tirou um envelope do bolso de trás e espetou-mo na mão,
enquanto se debruçava para o meu ouvido e me pedia para contar o dinheiro depois. O
envelope pareceu-me bem recheado, por isso acalmei-me um pouco.
— Vamos dar uma volta pela sala.
Percorremos o perímetro da cave, com cabinas amontoadas de cada lado e toda aquela
aquela vedação metálica a fazer-me lembrar um canil. Lyle voltou a pôr-me um dedo no
braço, incitando-me a avançar.
— O Kill Club, e já agora não me faça um sermão, sabemos que o nome é mau, mas
pegou. Estava eu a dizer que o Kill Club, chamamos-lhe KC, é por isso que todos os anos
fazemos o grande encontro aqui, em Kansas City, KC, Kill Club... bom, como eu estava a
dizer, é basicamente para solucionadores de mistérios. E entusiastas. De assassínios
famosos. Todos, desde Fanny Adams até...
— Quem é a Fanny Adams? — perguntei, irritada, percebendo que estava prestes a
ficar com ciúmes. Eu é que devia ser a pessoa especial ali no meio.
— Era uma miúda de oito anos que foi esquartejada em Inglaterra, em 1867. Aquele
tipo que acabou de passar por nós, com o chapéu alto, estava a fingir que era o assassino
dela, Frederick Baker.
— Isso é doentio. — Portanto, ela tinha morrido há uma eternidade. Ótimo. Assim, não
havia concorrência.
— Bom, foi um crime famoso. — Apanhou-me a fazer uma careta. — Bom, como eu
disse, eles formam um grupo menos agradável. Ainda por cima, a maior parte desses
homicídios já foi solucionada, já não está envolta em mistério. Para mim, o que importa é
encontrar a solução para um crime não resolvido. Temos antigos polícias, advogados...
— Há personagens... do meu? Há personagens da minha família aqui?
Um tipo gordo com madeixas no cabelo e uma boneca insuflável de vestido vermelho
deteve-se na multidão, quase em cima de mim, sem sequer reparar na minha presença.
Os dedos de plástico da boneca fizeram-me cócegas na bochecha. Alguém atrás de mim
gritou Scott e Amber! Afastei o tipo de mim e tentei detetar na multidão alguém vestido
como a minha mãe, ou como Ben, algum cabrão de peruca ruiva, empunhando um
machado. A minha mão tinha-se contraído num punho cerrado.
— Não, claro que não — disse Lyle. — Nem pensar, Libby. Eu nunca permitiria uma
coisa dessas, a dramatização do... que aconteceu. Não.
— Porque é que são só homens? — Numa das cabinas perto de nós, dois tipos
barrigudos com camisolas de polo estavam a rosnar um com o outro por causa de umas
crianças quaisquer assassinadas no sudeste do Missouri.
— Não são só homens — retorquiu Lyle, na defensiva. — A maior parte dos
solucionadores são homens, mas, se for a um congresso de palavras-cruzadas, verá a
mesma coisa. As mulheres vêm por causa da, enfim, da rede social. Falam sobre a
maneira como se identificam com as vítimas, porque tiveram maridos violentos e essa
coisa toda, bebem um café, compram uma fotografia antiga. Mas tivemos de ser mais
cuidadosos, porque às vezes elas ficam... demasiado apegadas.
— Sim, não convém terem uma reação demasiado humana — ripostei, armada em
hipócrita de merda.
Felizmente, Lyle ignorou-me.
— Por exemplo, neste momento andam todas obcecadas com a história da Lisette
Stephens. — Apontou para trás, onde um pequeno grupo de mulheres estava reunido em
redor de um computador, de pescoços espetados para baixo como galinhas. Ultrapassei
Lyle e dirigi-me para a cabina. Estavam todas a ver uma videomontagem de Lisette.
Lisette e as suas colegas da república feminina. Lisette e o cão. Lisette e a irmã igual a
ela.
— Está a ver onde eu quero chegar? — disse Lyle. — Elas não estão a solucionar
nenhum caso, estão simplesmente a ver coisas que podiam ver em casa na Internet.
O problema de Lisette Stephens era que não havia nada para solucionar: não tinha
namorado, nem marido, nem colegas transtornados, nem estranhos ex-presidiários a
fazerem obras em casa dela. Limitara-se a desaparecer sem qualquer motivo aparente, só
que era bonita. Era o tipo de rapariga em que as pessoas reparam. O tipo de rapariga que
os media se deram ao trabalho de noticiar quando ela desapareceu.
Encaixei-me num espacinho, ao lado de uma pilha de t-shirts com decalques que diziam
VAMOS ENCONTRAR A LISETTE. Vinte e cinco dólares. O grupo, porém, estava mais
interessado no portátil. As mulheres fizeram desfilar no ecrã as mensagens publicadas no
website. Muitas pessoas tinham anexado fotografias às suas mensagens, mas as
fotografias eram completamente dissonantes. «Amamos-te, Lisette, sabemos que voltarás
para casa», ao lado de uma imagem de três senhoras de meia-idade na praia. «Paz e
amor para a sua família neste momento tão difícil» aparecia ao lado de uma fotografia do
cão de alguém. As mulheres voltaram para a página inicial do site e apareceu a imagem
de que os media mais gostavam: Lisette e a mãe, sorridentes e abraçadas, de faces
encostadas uma à outra.
Encolhi os ombros, tentando ignorar a minha preocupação com a Lisette, que eu não
conhecia. E debatendo-me novamente com os ciúmes. De todos estes assassínios, eu
queria que a cabina dos Day fosse a maior. Foi uma centelha de amor: os meus mortos
eram os melhores. Tive um vislumbre da minha mãe, de cabelo ruivo preso num rabo de
cavalo, a ajudar-me a descalçar as botas demasiado finas para o inverno e, depois, a
esfregar-me os dedos dos pés um a um. Vamos aquecer o dedo grande, vamos aquecer o
dedo mais pequenino. Nesta recordação, assolava-me o cheiro a torradas com manteiga,
mas não sei se havia torradas com manteiga. Nesta recordação, eu ainda tinha todos os
meus dedos dos pés.
Estremeci violentamente, como um gato.
— Credo, foi um fantasma? — disse Lyle, e depois apercebeu-se de como a sua frase
era irónica.
— E que mais? — perguntei.
Deparámos com um engarrafamento à frente da cabina assinalada Bazar do Bob
Bizarro, gerida por um tipo que tinha um bigode preto enorme e estava a comer
ruidosamente um prato de sopa. Quatro crânios estavam alinhados numa tábua atrás dele,
com um letreiro a dizer a derradeira hora. O tipo gritou a Lyle que o apresentasse à sua
amiguinha. Lyle começou a dizer-lhe que não, tentou conduzir-me por entre a multidão
parada, depois encolheu os ombros e sussurrou-me um adepto da dramatização.
— Bob Berdella — disse Lyle ao homem, piscando o olho a fazer troça do nome dele
—, apresento-te a Libby Day, cuja família foi... do Massacre da Quinta de Kinnakee Kansas.
Os Day.
O tipo inclinou-se para mim por cima da mesa, com um bocado de hambúrguer cheio
de saliva pendurado de um dente.
— Se tivesses pila, estarias no meu caixote do lixo neste preciso momento, feito aos
bocados — disse ele, e disparou uma gargalhada. — Bocadinhos muito pequeninos.
Sacudiu uma mão diante do meu rosto. Dei um passo atrás instintivamente e depois
precipitei-me na direção de Bob, de punho erguido, furibunda, como fico sempre que
apanho um susto. Dá-lhe um murro no nariz, fá-lo sangrar, arranca-lhe o pedaço de carne
com chili da cara e a seguir bate-lhe outra vez. Antes que eu lhe conseguisse bater, Bob
empurrou a cadeira para trás, levantou as mãos e pôs-se a murmurar para Lyle, e não
para mim, ei meu, eu estava só a brincar, não fiz por mal, meu. Nem sequer olhou para
mim quando pediu desculpa, como se eu fosse uma criança. Enquanto ele se queixava a
Lyle, ataquei-o. Como o meu punho não me obedeceu a cem por cento, acabei por lhe dar
um estalo com força no queixo, como se estivesse a castigar um cão.
— Vai à merda, cabrão.
Lyle reagiu e desatou a murmurar um pedido de desculpas e a puxar-me para fora dali,
eu ainda com os punhos cerrados e os maxilares contraídos. Dei um pontapé na mesa de
Bob com a bota quando me afastei, com força suficiente para a mesa abanar uma vez,
violentamente, e despejar a sopa do tipo no chão. Já estava arrependida de não ter virado
a mesa de pernas para o ar. Não há nada mais embaraçoso do que uma mulher baixa que
não é capaz de dar um murro certeiro. Só faltou tirarem-me dali ao colo, com os meus
pés de bebé a abanar. Olhei para trás. O tipo ficou ali parado, de braços caídos, com o
queixo vermelho, a tentar decidir se estava arrependido ou irritado.
— Bem, não foi a primeira cena de pancadaria no Kill Club, mas é capaz de ter sido a
mais estranha — disse Lyle.
— Não gosto que me ameacem.
— Ele não estava a... eu sei, eu sei — murmurou Lyle. — Como eu disse, um dia, estes
tipos das personagens vão pôr-se a andar e deixar os solucionadores de verdade em paz.
Vai gostar das pessoas do nosso grupo, do grupo Day.
— É o grupo Day ou o grupo do Massacre da Quinta de Kinnakee Kansas? —
resmunguei.
— Ah, sim, é isso que lhe chamamos. — Tentou esgueirar-se por entre outro
engarrafamento no corredor à cunha e acabou esborrachado contra mim. O meu rosto
ficou a apenas uns centímetros das costas do homem. Camisa azul, com o peitilho
engomado. Fixei os olhos na prega central, perfeita. Alguém com uma grande pança de
palhaço estava a empurrar-me firmemente por trás.
— A maior parte das pessoas mete a palavra Satanás no nome — disse eu. —
Massacre da Quinta de Satanás. Matança Satânica no Kansas.
— Sim, mas nós não acreditamos nessas tretas, por isso tentamos não usar
referências ao diabo. Com licença! — disse ele, contorcendo-se para passar por entre
algumas pessoas.
— Portanto, é uma questão de marketing — atirei, de olhos fixos na camisa azul.
Dobrámos uma esquina e desembocámos num espaço aberto e fresco.
— Quer ver mais algum grupo? — Apontou para a esquerda, em direção a um grupo de
homens na Cabina 13: cortes de cabelo às três pancadas, uns quantos bigodes, muitas
camisas com botões nos colarinhos. Estavam a discutir ferozmente, mas baixinho. —
Estes tipos são fixes, por acaso — disse Lyle. — Basicamente, estão a criar o seu próprio
mistério: acham que identificaram um assassino em série. Um tipo qualquer tem andado a
atravessar os estados, Missouri, Kansas, Oklahoma, e a ajudar a matar pessoas. Pais de
família ou, às vezes, pessoas de idade que estão atoladas em dívidas, à conta dos cartões
de crédito ou de empréstimos com juros demasiado altos, pessoas sem saída.
— Mata pessoas só porque elas não têm jeito para gerir as finanças? — exclamo,
revirando os olhos.
— Não, não. Acham que ele é uma espécie de Kevorkian para as pessoas que têm
dívidas más e bons seguros de vida. Chamam-lhe o Anjo da Dívida.
Um dos membros da Cabina 31, um rapaz com o maxilar protuberante e uns lábios que
não lhe cobriam inteiramente os dentes, estava a ouvir a conversa e virou-se para Lyle,
desejoso de falar:
— Estamos convencidos de que apanhámos o Anjo no Iowa, no mês passado: um tipo
com uma mansão de novo-rico e quatro filhos teve um acidente de moto de neve perfeito
como nos filmes, numa altura muito conveniente. Neste último ano, tem sido um por mês.
É a economia, meu.
O tipo preparava-se para continuar, querendo puxar-nos para a cabina, com os seus
gráficos e calendários e recortes de jornais e uma mistura de frutos secos espalhados
pela mesa toda, porque os homens os tiravam às mãos-cheias, deixando cair pretzels e
amendoins para cima dos ténis. Abanei a cabeça olhando para Lyle e, para variar, conduzio
para longe dali. No corredor entre as cabinas, inspirei golfada de ar sem sal e olhei para
o relógio.
— Bom — disse Lyle. — É muita informação para absorver de uma vez só. Vamos
andando. Acho que vai gostar do nosso grupo. É muito mais sério. Olhe, já lá estão
pessoas. — Apontou para uma cabina de canto muito arrumada, onde uma mulher gorda de
cabelo frisado bebericava café por um copo de esferovite do tamanho de uma caneca, e
dois homens bem-arranjados de meia-idade perscrutavam a sala, com as mãos nas ancas,
ignorando-a. Pareciam polícias. Atrás deles, um tipo mais velho e meio careca estava
sentado de costas curvadas a uma mesa de cartas, a rabiscar apontamentos num bloco,
enquanto um miúdo universitário tenso lia por cima do ombro dele. Um punhado de
homens banais estava reunido mais atrás, a folhear pilhas de pastas de arquivo de papel
pardo ou simplesmente a fazer tempo.
— Veja, mais mulheres — anunciou Lyle, triunfante, apontando para a montanha
feminina de cabelo frisado. — Quer ir já para lá ou prefere esperar e fazer uma entrada
em grande?
— Podemos ir já.
— Este é um grupo de gente astuta, são verdadeiros fãs. Vai gostar deles. Aposto que
até vai aprender algumas coisas com eles.
Suspirei e segui Lyle. A mulher foi a primeira a levantar a cabeça; semicerrou os olhos
ao ver-me e depois arregalou-os. Segurava numa pasta feita em casa, na qual colara uma
velha fotografia minha dos tempos do liceu, usando um colar com um coração de ouro que
alguém me enviara pelo correio. Tive a sensação de que a mulher queria dar-me a pasta,
segurava-a como se fosse o programa de um espetáculo teatral. Não estendi o braço.
Reparei que ela tinha desenhado uns chifres de diabo na minha cabeça.
Lyle pousou o braço no meu ombro, mas depois tirou-o.
— Olá! A nossa convidada especial já chegou e é a estrela do Congresso Kill deste
ano: Libby Day.
Umas quantas sobrancelhas arquearam-se, várias cabeças fizeram que sim com ar
apreciativo e um dos tipos com cara de polícia exclamou fogo. Fez um gesto como se
fosse bater com a palma da mão na de Lyle, mas mudou de ideias: o braço deteve-se em
pleno ar, numa acidental saudação nazi. O homem mais velho desviou rapidamente os
olhos de mim e escrevinhou mais uns apontamentos. Por um instante, tive medo de que
estivessem à espera que eu fizesse um discurso; em vez disso, murmurei um olá seco e
sentei-me à mesa.
Seguiram-se os cumprimentos do costume, as perguntas. Sim, vivia em Kansas City,
não, estava... digamos que entre empregos, não, não tinha qualquer contacto com Ben.
Sim, ele escrevia-me algumas vezes por ano, mas eu deitava os envelopes diretamente no
lixo. Não, não tinha curiosidade em saber o que me escrevia. Sim, estava disposta a
vender a próxima carta que recebesse.
— Bom — interrompeu finalmente Lyle, com um grandioso ronco. — Têm aqui, à vossa
frente, uma figura-chave do processo Day, uma chamada testemunha ocular, portanto,
porque é que não avançamos para perguntas a sério?
— Eu tenho uma pergunta a sério para fazer — anunciou um dos tipos com ar de
polícia. Fez um sorriso meio de esguelha e virou-se na cadeira. — Se não se importar que
eu vá direto ao assunto...
E esperou mesmo que eu dissesse que não me importava.
— Porque é que disse no seu depoimento que o Ben matou a sua família?
— Porque matou — respondi. — Eu estava presente.
— A menina estava escondida. É impossível ter visto o que diz que viu, senão também
estaria morta.
— Eu vi o que vi — comecei, como fazia sempre.
— Tretas. Viu aquilo que lhe disseram para ver, porque era uma menina pequena, boa e
assustada, que queria ajudar. A acusação lixou-a em grande. Usaram-na para apanhar o
alvo mais fácil. Nunca vi uma investigação policial tão negligente.
— Eu estava dentro de casa...
— Sim, e como é que explica os tiros que mataram a sua mãe? — teimou o homem,
apoiando as mãos nos joelhos e debruçando-se. — O Ben não tinha vestígios de pólvora
nas mãos...
— Pessoal, pessoal — interrompeu o homem mais velho, abanando os dedos grossos e
enrugados. — E minhas senhoras — acrescentou, melífluo, apontando com a cabeça para
mim e para a Mulher Frisada. — Ainda não apresentámos os factos do processo.
Precisamos de seguir as regras, senão nada nos diferencia de um chat na Internet. Perante
uma convidada destas, devemos certificar-nos mais do que nunca de que estamos todos
em sintonia.
Ninguém exprimiu o seu desacordo por mais que um ligeiro resmungo, por isso o tipo
mais velho humedeceu os lábios, espreitou por cima dos óculos bifocais e ajeitou o catarro
na garganta. O homem emanava autoridade e, no entanto, tinha um ar doentio. Imaginei-o
em casa, sozinho, a comer pêssegos enlatados ao balcão da cozinha, lambendo o sumo
dos lábios. Começou a ler os apontamentos em voz alta:
— Facto: por volta das duas da madrugada do dia 3 de janeiro de 1985, uma pessoa, ou
várias pessoas, matou, ou mataram, três membros da família Day na quinta onde viviam
em Kinnakee, no Kansas. Os falecidos incluem Michelle Day, de dez anos; Debby Day, de
nove; e a matriarca da família, Patty Day, de trinta e dois anos. Michelle Day foi
estrangulada; Debby Day foi morta à machadada e Patty Day morreu na sequência de dois
tiros de caçadeira, várias machadadas e cortes profundos infligidos com uma faca de caça
Bowie.
Senti o sangue a latejar-me nos ouvidos e disse a mim própria que não estava a ouvir
nenhuma novidade. Não havia motivos para entrar em pânico. Nunca prestei
verdadeiramente atenção aos pormenores do crime. Deixava as palavras atravessarem-me
o cérebro e saírem-me pelos ouvidos, como um doente com cancro aterrorizado a ouvir
todo aquele jargão codificado sem perceber nada, a não ser que a situação é péssima.
— Facto — prosseguiu o homem. — A filha mais nova, Libby Day, de sete anos, estava
em casa na altura e escapou ao assassino ou assassinos por uma janela do quarto da
mãe.
»Facto: o filho mais velho, Benjamin Day, de quinze anos, diz que não esteve em casa,
que passou a noite no celeiro de um vizinho depois de ter tido uma discussão com a mãe.
Nunca apresentou outro álibi e o seu comportamento para com a polícia foi tudo menos
prestável. Ele foi consequentemente preso e condenado, em grande parte com base nos
rumores que corriam na comunidade de que ele estava envolvido num culto satânico. As
paredes da casa estavam cobertas de símbolos e palavras associados ao culto do diabo.
Escritos com o sangue da mãe.
O velho fez uma pausa para criar um efeito dramático, olhou para o grupo e retomou
os seus apontamentos.
— Pior ainda foi o facto de a irmã que sobreviveu à chacina, a Libby, ter testemunhado
que o viu cometer os crimes. Apesar do depoimento confuso da Libby e de ela ser tão
jovem, o Ben Day foi condenado. Apesar de uma chocante falta de provas físicas. Nós
reunimo-nos para explorar outras hipóteses e para debater os trâmites do processo. Aquilo
que me parece ponto assente é que os crimes estão relacionados com os acontecimentos
do dia 2 de janeiro de 1985. Tudo correu mal num só dia... e não estou a querer fazer
trocadilhos
2
. — Risos abafados, olhares culpados na minha direção. — Quando a família
acordou naquela manhã, não tinha ninguém atrás deles para os matar. Houve qualquer
coisa que correu muito, muito mal naquele dia.
Parte de uma fotografia do crime tinha escorregado da pasta do orador: uma perna
rechonchuda e ensanguentada e uma parte de uma camisa de noite alfazema. Debby. O
tipo reparou no meu olhar e guardou a fotografia na pasta, como se aquilo não fosse da
minha conta.
— Creio que o consenso geral é que o autor do crime foi o Runner Day — anunciou a
mulher gorda, mexericando na carteira e deixando cair lenços de papel.
Assustei-me ao ouvir o nome do meu pai. Runner Day. Homenzinho desgraçado.
— Não é? — continuou ela. — Foi ter com a Patty, tentou extorquir-lhe dinheiro, como
sempre, não conseguiu nada, irritou-se, passou-se da cabeça. O tipo era louco, ou não era?
A mulher tirou um frasco da carteira e enfiou duas aspirinas na boca como as pessoas
fazem nos filmes, lançando a cabeça violentamente para trás. Depois, olhou para mim à
espera de uma confirmação.
— Sim, acho que sim. Não me lembro muito bem dele. Os meus pais divorciaram-se
quando eu tinha uns dois anos. Praticamente não tivemos contacto com ele depois disso.
Ele voltou e viveu connosco durante um verão, o verão antes dos crimes, mas...
— Onde é que ele está agora?
— Não sei.
Ela revirou os olhos.
— Então e a pegada grande de homem? — disse um homem lá atrás. — A polícia
nunca chegou a explicar a que propósito é que havia pegadas no sangue deixadas por
sapatos de cerimónia masculinos, numa casa onde ninguém usava sapatos de cerimónia...
— A polícia nunca chegou a explicar muita coisa — começou o homem mais velho.
— Como a mancha de sangue desconhecido — acrescentou Lyle. Virou-se para mim. —
Havia uma mancha de sangue nos lençóis da cama da Michelle... era de um tipo sanguíneo
diferente do de todas as pessoas da família. Infelizmente, os lençóis vinham de uma loja
de caridade e, por conseguinte, a acusação disse que o sangue podia pertencer a qualquer
pessoa.
Lençóis «ligeiramente usados». Sim. Os Day eram adeptos da loja de caridade
Goodwill: o sofá, a televisão, os candeeiros, os jeans, até as nossas cortinas eram de lá.
— Sabe onde encontrar o Runner? — perguntou o miúdo mais novo. — Podia fazer-lhe
umas perguntas da nossa parte.
— E eu continuo a achar que valia a pena interrogar alguns amigos do Ben da época.
Ainda tem contactos em Kinnakee? — perguntou o velho.
Várias pessoas começaram a discutir sobre o vício do jogo de Runner e os amigos de
Ben e a falta de profissionalismo da polícia.
— Ei — disse eu, irritada. — Então e o Ben? O Ben foi descartado?
— Por favor, isto foi o maior erro judicial de sempre — disse a senhora gorda. — E não
finja que não. A menos que esteja a proteger o seu pai. Ou que esteja demasiado
envergonhada do que fez.
Lancei-lhe um olhar carrancudo. Ela tinha um bocado de gema de ovo no cabelo. Quem
é que comia ovos à meia-noite?, pensei. Ou será que ela tinha ovo no cabelo desde a
manhã?
— A Magda está muito empenhada no processo, muito empenhada nos esforços para
libertar o seu irmão — explicou o velhote, arqueando as sobrancelhas com ar paternalista.
— Ele é um homem maravilhoso — disse Magda, apontando o queixo na minha direção.
— Escreve poesia e música e é uma força de esperança. Devia tentar conhecê-lo melhor,
Libby, devia mesmo.
Magda deslizou as unhas ao longo de um conjunto de pastas que estava à sua frente,
em cima da mesa, uma para cada membro da família Day. A pasta mais grossa estava
cheia de fotografias do meu irmão: Ben, ruivo e jovem, a segurar com ar sério num
bombardeiro de brincar; Ben de cabelo preto, assustado, na fotografia tirada pela polícia
quando foi detido; Ben atualmente, na prisão, novamente ruivo, com ar aplicado e a boca
ligeiramente aberta, como que captado a meio de uma frase. Ao lado estava a pasta de
Debby com uma única fotografia dela, vestida de cigana na Noite das Bruxas: faces
vermelhas, lábios vermelhos, o cabelo castanho coberto pelo lenço vermelho da minha
mãe, uma anca espetada para o lado, a fazer-se sexy. À direita dela, vê-se o meu braço
sardento, esticado em direção a ela. Era uma fotografia de família, uma coisa que eu
pensava que nunca tinha sido divulgada ao público.
— Onde é que arranjou isso? — perguntei.
— Por aí. — Ela tapou a pasta com uma mão papuda.
Baixei os olhos para a mesa, resistindo ao impulso de me precipitar sobre ela. A
fotografia do cadáver de Debby tinha voltado a escorregar para fora da pasta do velhote.
Consegui ver a perna ensanguentada, uma barriga esventrada, um braço praticamente
amputado. Inclinei-me sobre a mesa e agarrei no pulso do homem.
— Arrume essa merda — murmurei. Ele guardou novamente a fotografia na pasta,
pegou nela como se fosse um escudo e fitou-me, pestanejando várias vezes.
Todo o grupo estava, agora, a olhar para mim, curioso, ligeiramente inquieto, como se
eu fosse um coelhinho de estimação que eles acabavam de descobrir que talvez tivesse
raiva.
— Libby — disse Lyle no tom reconfortante de um apresentador de um talk show
televisivo. — Ninguém duvida de que estava em casa. Ninguém duvida de que sobreviveu a
uma provação horrenda que nenhuma criança devia ter de sofrer na vida. Mas viu
realmente com os seus próprios olhos aquilo que diz que viu? Ou poderá ter sido
influenciada por alguém?
Eu estava a lembrar-me de Debby a passar os seus dedinhos ágeis e rechonchudos
pelos meus cabelos, fazendo uma trança em espinha de peixe que ela teimava que era
mais difícil do que uma trança incorporada, soprando-me tretas com o seu hálito quente
para cima da minha nuca. Atando uma fita verde na ponta, transformando-me numa
prenda. Ajudando-me a equilibrar-me na borda da banheira para eu poder segurar num
espelho e ver a parte de trás da minha cabeça entrançada no espelho de parede por cima
do lavatório. Debby, que queria desesperadamente que tudo fosse bonito.
— Não há provas de que qualquer outra pessoa a não ser o Ben tenha matado a minha
família — disse eu, regressando à terra dos vivos, onde vivo sozinha. — Pelo amor de
Deus, ele nem sequer interpôs recurso. Nunca tentou ser libertado. — Eu não tinha
qualquer experiência no que tocava a condenados, mas dava-me a sensação de que eles
estavam sempre a interpor recursos, era uma mania deles, mesmo que não tivessem
hipóteses. Sempre que imaginava a prisão, imaginava macacões cor de laranja e blocos de
notas amarelos. Ben provara, por pura inércia, que era culpado; o meu testemunho
tornara-se irrelevante.
— Ele tinha motivos para apresentar oito recursos — anunciou Magda solenemente.
Percebi que ela era uma daquelas mulheres capazes de me aparecer à porta de casa e
gritar comigo. Fiquei contente por nunca ter dado a Lyle a minha morada. — O facto de
não lutar não significa que seja culpado, Libby, significa que perdeu a esperança.
— Então, ainda bem.
Lyle arregalou os olhos.
— Oh, meu Deus. Está mesmo convencida de que o Ben é culpado. — Depois, riu-se.
Uma só gargalhada, acidental, que ele se apressou a engolir, mas que foi absolutamente
genuína. — Desculpe — murmurou.
Ninguém se ri de mim. Tudo o que digo ou faço é levado muito, muito a sério. Ninguém
faz troça de uma vítima. Não sou uma figura que inspire riso.
— Bom, já vi que adoram as vossas teorias da conspiração — disse, e levantei-me
bruscamente da cadeira.
— Oh, não seja assim — ripostou o tipo com ar de polícia. — Fique. Convença-nos.
— Ele nunca... interpôs... recurso — disse, como uma professora da escola primária. —
Para mim, isso chega.
— Então, é uma tonta.
Fiz-lhe um pirete, um gesto duro como se estivesse a escavar em terra fria. Depois,
virei costas, enquanto alguém atrás de mim dizia:
— Continua uma mentirosazinha.
Precipitei-me para o meio da multidão, abrindo caminho por entre axilas e virilhas até
chegar ao poço fresco das escadas, deixando o barulho para trás. A minha única vitória da
noite foi o maço de notas que levava no bolso e o facto de saber que aquelas pessoas
eram tão patéticas como eu.
Cheguei a casa, acendi as luzes todas e enfiei-me na cama com uma garrafa de rum
peganhento. Deitei-me de lado, a estudar as dobras intrincadas do bilhete de Michelle, que
me esquecera de vender.
Tinha a sensação de que a noite estava desequilibrada. Como se, em tempos, o mundo
tivesse sido dividido entre as pessoas que acreditavam na culpa do Ben e as pessoas que
acreditavam na inocência dele, e, agora, aqueles doze desconhecidos acotovelados numa
cabina, numa cave da baixa, tinham-se passado para o lado da inocência, com tijolos nos
bolsos, e — zás! — era aí que estava o peso todo agora. A Magda e o Ben e a poesia e a
força da esperança. Pegadas e nódoas de sangue e Runner passado dos carretos. Pela
primeira vez desde o julgamento de Ben, eu submetera-me por inteiro a pessoas que
achavam que eu estava enganada em relação a Ben e, pelos vistos, eu não estava à altura
do desafio. Eu, com tão pouca fé. Noutra noite, provavelmente, teria deitado o episódio
para trás das costas, como costumava fazer. Mas aquelas pessoas tinham tantas
certezas, tanto desprezo por mim, como se tivessem conversado sobre mim vezes sem
conta e decidido que eu não era digna de tanta insistência. Eu tinha lá ido convencida de
que aquelas pessoas seriam como as do costume: provavelmente queriam ajudar-me,
tomar conta de mim, resolver os meus problemas. Em vez disso, fizeram troça de mim.
Seria eu realmente assim tão fácil de atingir, tão vulnerável?
Não. Eu vi o que vi naquela noite, pensei, o meu mantra de sempre. Embora não fosse
verdade. A verdade é que não vi nada. Está bem? Pronto. Tecnicamente, não vi nada. Só
ouvi. Só ouvi, porque estava escondida no armário enquanto a minha família morria, porque
fui uma cobarde de merda.
     Aquela noite, aquela noite, aquela noite. Eu tinha acordado na escuridão do quarto que
partilhava com as minhas irmãs e a casa estava tão fria que havia geada no lado de
dentro da janela. Debby tinha-se enfiado na cama comigo a meio da noite — geralmente
encostávamo-nos uma à outra para nos aquecermos — e o rabo rechonchudo dela estava
encostado à minha barriga, a empurrar-me contra a parede gelada. Eu era sonâmbula
desde que aprendi a andar, por isso não me lembro de passar por cima de Debby, mas
lembro-me, isso sim, de ver Michelle a dormir no chão, com o diário nos braços, como
sempre, a chupar uma caneta enquanto dormia, a tinta preta a escorrer-lhe pelo queixo
misturada com a saliva. Não me dei ao trabalho de a acordar, de a ajudar a ir para a
cama. O sono era defendido com unhas e dentes na nossa casa ruidosa, fria e apinhada, e
nenhum de nós acordava sem dar luta. Deixei Debby na minha cama e, quando abri a
porta, ouvi vozes ao fundo do corredor, no quarto de Ben: sussurros urgentes que quase se
tornaram um ruído forte. O som de pessoas que acham que estão a falar baixinho. Uma
luz por baixo da porta de Ben. Decidi ir para o quarto da minha mãe, atravessei o corredor
a arrastar os pés, puxei os cobertores e encostei-me às costas dela. No inverno, a minha
mãe dormia com dois pares de calças de fato de treino e várias camisolas, parecia
sempre um gigantesco animal empalhado. Geralmente, não se mexia quando nos metíamos
na cama dela, mas, naquela noite, lembro-me de que se virou para mim tão depressa que
pensei que estava irritada. Mas não, puxou-me e abraçou-me com força, deu-me um beijo
na testa. Disse que me amava. Raramente nos dizia que gostava de nós. É por isso que
me lembro, ou acho que me lembro, a menos que tenha acrescentado isto depois para me
reconfortar. Mas digamos que ela me disse que me amava e eu adormeci de imediato.
    Quando voltei a acordar, não sei se minutos ou se horas depois, ela já não estava na
cama. Do lado de fora da porta fechada, onde eu não podia ver nada, a minha mãe estava
a chorar e Ben a berrar com ela. Ouvi outras vozes além das deles; Debby estava a
soluçar, a gritar Mamãmamãmamãmichelle e, depois, ouvi um machado. Soube, logo ali, o
que era. Metal a rasgar o ar — foi esse o som — e depois do ruído do balanço veio uma
pancada seca e um gorgolejo e Debby soltou um gemido e fez um barulho como se
estivesse a sorver uma golfada de ar. Ben aos gritos com a minha mãe: «Porque é que
me obrigas a fazer isto?» E nem um pio da parte de Michelle, o que era estranho, porque
Michelle era sempre a mais ruidosa, mas nada saiu da boca dela. A mãe a gritar: Foge!
Foge! Não Não! E um tiro de caçadeira e a minha mãe ainda aos berros, mas incapaz de
formar palavras, só um guincho, como um pássaro a bater contra as paredes ao fundo do
corredor.
Passos pesados e os pezinhos de Debby a fugirem, ainda viva, a correr em direção ao
quarto da minha mãe e eu a pensar não, não, não venhas para aqui e depois botas a
fazerem tremer o corredor atrás dela e o som de qualquer coisa a arrastar e a arranhar o
chão e mais gargarejos, pancadas e depois uma pancada seca e o ruído do machado e a
minha mãe ainda a fazer um barulho horrível como se estivesse a grasnar e eu parada,
petrificada, no quarto, à escuta, e a caçadeira rebentou-me os ouvidos outra vez e um
estrondo fez chocalhar as traves do soalho debaixo dos meus pés. Eu, cobarde, à espera
que tudo desaparecesse. Agachada meio dentro, meio fora do armário, a balouçar para trás
e para a frente. Vai-te embora vai-te embora vai-te embora. Portas a bater e mais passos
e um uivo, Ben a sussurrar para si próprio, frenético. E depois choro, um choro masculino
profundo e a voz de Ben, sei que era a voz do Ben, a gritar Libby! Libby!
Abri uma janela no quarto da minha mãe e transpus a tela de rede rasgada. Aterrei de
rabo no chão coberto de neve, a uns palmos de distância, as minhas meias imediatamente
ensopadas, o cabelo emaranhado nos arbustos, e corri.
Libby! Olhei para trás e na casa só havia uma luz acesa numa janela, tudo o resto
estava às escuras.
Os meus pés estavam congelados quando cheguei ao lago e me aninhei entre os
juncos. Usava várias camadas de roupa como a minha mãe, ceroulas por baixo da camisa
de noite, mas toda eu tremia, o vento agitava-me a camisa e o ar gelado subia-me em
cheio até à barriga.
Uma lanterna varreu freneticamente o cimo dos juncos, o arvoredo ali perto e, em
seguida, o chão não muito longe de mim. Libby! A voz de Ben outra vez. A caçar-me. Não
saias de onde estás, querida! Não saias de onde estás! A lanterna a aproximar-se cada
vez mais, aquelas botas a esmagarem a neve e eu a chorar desalmadamente para a
manga, torturando-me a ponto de quase me levantar, pronta para acabar com aquilo, mas
depois a lanterna deu meia-volta e os passos afastaram-se de mim e fiquei ali sozinha,
sem ninguém que me salvasse de morrer gelada na escuridão. A luz dentro de casa
apagou-se e deixei-me ficar onde estava.
Horas depois, estando eu demasiado dormente para me conseguir pôr de pé, rastejei à
luz ténue até casa, com os pés a latejar como ferro que retine, as mãos congeladas em
garras de corvo. A porta estava escancarada e entrei a coxear. No chão à porta da cozinha
estava uma triste pilha de vomitado, ervilhas e cenouras. Tudo o resto era vermelho:
salpicos nas paredes, poças na alcatifa, um machado ensanguentado deixado na vertical no
braço do sofá. Encontrei a minha mãe deitada no chão à frente do quarto das filhas, o
cimo da cabeça sem uma fatia triangular, arrancada a tiro, golpes de machado de cima a
baixo das suas várias camadas de roupa, um seio à mostra. Acima dela, longas madeixas
de cabelo ruivo estavam coladas às paredes com sangue e matéria cerebral. Debby estava
deitada logo a seguir a ela, de olhos arregalados e um fio de sangue pela face abaixo. O
braço quase tinha sido decepado; levara uma machadada na barriga, tinha o estômago
aberto, distendido como a boca de uma pessoa adormecida. Chamei Michelle, mas sabia
que ela estava morta. Entrei no nosso quarto em bicos dos pés e encontrei-a enroscada na
cama com as bonecas, o pescoço marcado de nódoas negras, uma pantufa ainda calçada,
um olho aberto.
As paredes estavam pintadas de sangue: pentagramas e palavrões. Cabras. Satanás.
Estava tudo partido, rasgado, destruído. Frascos de comida tinham sido estilhaçados contra
as paredes, cereais atirados para o chão. Um grão de Rice Krispies seria retirado do
ferimento do peito da minha mãe, de tão caótico que foi o massacre. Um dos sapatos de
Michelle estava pendurado pelos atacadores da ventoinha barata do teto.
Cambaleei até ao telefone da cozinha, puxei-o para o chão, liguei para a minha tia
Diane, o único número que eu sabia de cor, e, quando Diane atendeu, gritei Estão todos
mortos! numa voz que feriu os meus próprios ouvidos de tão estridente que foi. Depois,
encaixei-me no espacinho entre o frigorífico e o forno e esperei por Diane.
No hospital, sedaram-me e amputaram-me três dedos dos pés congelados e metade de
um dedo anelar. Desde então, tenho estado à espera de morrer.
Sentei-me de costas direitas sob a luz elétrica amarela. Arranquei-me da nossa casa
da morte e regressei ao meu quarto de adulta. Não ia morrer nos próximos anos, era
saudável como um cão de caça, por isso precisava de um plano. O meu cérebro
estratégico de Day voltou felizmente, abençoadamente, a concentrar-se no meu próprio
bem-estar. A pequenina Libby Day acabava de descobrir a sua estratégia. Chamem-lhe
instinto de sobrevivência ou chamem-lhe aquilo que era: ganância.
Aqueles «entusiastas dos Day», aqueles «solucionadores de mistérios» iam dar-me
dinheiro e não era só em troca de velhas cartas. Não me perguntaram eles onde estava
Runner e que amigos de Ben é que eu ainda conhecia? Pois pagariam por todas essas
informações que só eu podia obter. Aqueles palhaços que decoraram a planta da minha
casa, que encheram pastas com fotografias do local do crime, tinham todos as suas
teorias sobre quem matara os Day. Como eram umas aberrações, teriam dificuldade em
conseguir que as pessoas falassem com eles. Eu, sendo eu, podia fazer isso por eles. A
polícia faria as vontades à coitada da Libby, inclusive muitos dos suspeitos. Podia falar
com o meu pai, se era mesmo isso que eles queriam e se o conseguisse encontrar.
Não é que isso levasse a algum lado. Em casa, sob as minhas luzes fortes de gaiola de
hamster, novamente a salvo, lembrei-me de que Ben era culpado (tinha de ser, tinha de
ser), acima de tudo porque eu não conseguia lidar com outra possibilidade senão essa.
Para poder agir, tinha de ser assim e, pela primeira vez em vinte e quatro anos, eu
precisava de agir. Comecei a fazer as contas mentalmente: digamos que 500 dólares para
falar com a polícia; 400 dólares para falar com alguns amigos de Ben; 1000 para localizar
Runner; 2000 para falar com Runner. Com certeza os fãs tinham uma lista inteira de
pessoas que eu poderia convencer a dar à Órfã Day uma parte do seu tempo. Podia
arrastar isto durante meses.
Adormeci, com a garrafa de rum na mão, garantindo a mim própria: Ben Day é um
assassino.
1 Karla Brown foi assassinada em 1978 por um vizinho, que só foi condenado anos depois,
graças à análise de marcas de dentadas que deixou no corpo da vítima; Casey Anthony foi
acusada de ter assassinado a filha de dois anos, em 2008, para se libertar das suas
responsabilidades de mãe; a comunidade de Jonestown, na Guiana, foi palco de um
massacre que ocorreu em 1978, quando mais de novecentas pessoas da seita Templo dos
Povos se suicidaram com veneno ou foram mortas a tiro por ordem do seu líder, Jim
Jones; Fanny Adams, uma menina inglesa assassinada em 1867. (N. da T.)
2 O apelido Day presta-se a inevitáveis trocadilhos, uma vez que significa «dia». (N. da
T.)
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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